Desenho de um saxofone Instrumental & Tal - Artigos sobre deficiência - Que vê uma pessoa cega?



Que vê uma pessoa cega?


Antes de mais nada, ressalto que não sou técnico no assunto. Porém, conto com uma das melhores fontes de conhecimento: a experiência.

Desde que me entendo por gente, tenho uma deficiência visual, causada pela retinose pigmentar. Já na infância, essa degeneração de células da retina começou a se manifestar, progredindo até a cegueira na idade adulta.

No Primário(atual Ensino Fundamental), comecei a usar óculos e lupas para a leitura. Mais adiante, aos 15 anos, tive que aprender o Braille e, aos 24, já precisava da bengala para me locomover. Portanto, desde a manifestação dessa doença, acumulo mais de 40 anos de vivência prática. Assim, neste artigo, pretendo abordar alguns aspectos sobre o tema, valendo-me apenas de minha experiência pessoal.

Inicialmente, convém observarmos que é muito comum, por parte da sociedade em geral, pensar que toda pessoa cega enxerga um "fundo negro", porém, dependendo do comprometimento de sua visão, podem ser percebidos vultos e até algumas cores, é a chamada baixa visão.

Além disso, podemos afirmar que, mesmo a pessoa com cegueira profunda, desenvolve uma visão, que não a dos olhos, mas sim, uma forma de visão ou visualização, que se poderia chamar de interna ou mental, que põe por terra a idéia do tal "fundo negro".

Dessa forma, podemos entender aquilo que a Medicina moderna nos coloca, que a visão não se faz no olho, mas sim no cérebro. O olho apenas capta a imagem e a envia, através do nervo ótico, para uma região do cérebro, o córtex visual, responsável pela decodificação e formação da mesma.

Por outro lado, para efeito de ilustração, se analisarmos, por exemplo, o que nos acontece quando nos chega ao olfato, algum aroma ou odor, perceberemos a semelhança do mecanismo. Experimente prestar a atenção ao que ocorre quando passamos em frente a uma padaria, que acaba de retirar uma fornada de pães fresquinhos... Se não estivermos gripados, certamente, aquele cheirinho delicioso vai fazer com que se forme uma atraente imagem mental, de um saboroso pão, recheado com aquilo que desejarmos... Ou então, se o aroma for de um café sendo preparado, inevitavelmente, nos invadirá a imagem mental do revigorante líquido negro em uma xícara branca...

Igualmente, note que o mesmo se dá em relação aos sons que ouvimos. Uma música pode nos trazer à tela mental imagens variadas: um lugar, uma cena, o rosto de alguém etc. Nesse sentido, a voz de uma pessoa conhecida nos traz à mente a sua imagem quase que instantaneamente. Da mesma forma, o som de uma palavra projeta imediatamente nessa tela mental a imagem do objeto ao qual ela se refere, seja essa imagem visual, no caso de quem já enxergou, ou mental, se não existe o registro óptico propriamente dito.

Após tal reflexão, concluímos que quando uma pessoa cega tateia algum objeto ou pessoa, o que ela faz com a leveza necessária para que sejam estimuladas as terminações nervosas mais superficiais (aquelas responsáveis pelo tato), analisando parte por parte, até chegar à percepção do todo, igualmente, essa impressão tátil será transmitida ao cérebro, que, por sua vez, criará uma imagem correspondente.

Evidentemente, essa imagem contará com os elementos disponíveis a cada pessoa. Assim, se a pessoa já enxergou e tem noção de cores, poderá tê-la enriquecida com um colorido que lhe foi descrito, ou fruto do seu próprio imaginário. Caso contrário, terá associado à tal imagem, as informações relativas ao seu universo sensorial particular, ou aquelas que lhe foram previamente transmitidas.

Portanto, pode-se afirmar que uma pessoa cega vê. Pois, se quando nós tateamos um objeto qualquer com as mãos, forma-se logo uma imagem mental correspondente, sem qualquer constrangimento, pode-se empregar o verbo ver. Mais ainda, se considerarmos que quando evocamos a lembrança do tal objeto, mesmo sem o termos nas mãos, forma-se automaticamente no cérebro a mesma imagem, conforme ela foi registrada anteriormente.

Importante dizer que as variáveis ambientais também são percebidas e associadas a esses arquivos de nossa memória. Por exemplo, o registro que guardo dos seres e objetos que tive a oportunidade de ver em meio subaquático, naturalmente, são envoltos naquele fluido, de muito silêncio e onde tudo parece se mover em câmera lenta. Sem contar que as cores com as quais pinto esse quadro submarino em minha tela mental são, naturalmente, mais esmaecidas que as que surgem nas imagens de cenas aéreas, onde a intensidade das cores não é filtrada e atenuada pela água.

Neste sentido, as descrições verbais, de paisagens ou lugares em geral, por parte de pessoas videntes para pessoas cegas, são extremamente enriquecedoras, pois elas ajudam enormemente na formação das imagens geradas no cérebro. Um bom exemplo desse enriquecimento é quando uma pessoa que enxerga descreve com palavras, a outra que seja cega, a arquitetura de um lugar, a vegetação , a decoração etc. Graças a essas demonstrações de carinho e atenção, guardo lembranças riquíssimas das viagens que fiz a vários países.

Para efeito de curiosidade, gostaria de ressaltar as lembranças que guardo da viagem que fiz à Bangkok , capital da Tailândia, em 1996. Se não fossem essas descrições, feitas pelos meus companheiros de banda, não teria, hoje, a noção visual a respeito de um país tão exótico. São estátuas monumentais em ouro maciço, templos com telhados curvos, ornamentados em ouro e pedras preciosas, estreitas vielas com antigas construções, imponentes prédios, trajes típicos, diferentes veículos e muito mais...

Finalmente, sugiro ao leitor que, na companhia de um amigo, procure fazer o seguinte exercício: Com os olhos fechados, peça a ele que lhe entregue algum objeto desconhecido. Vá tateando e sentindo as suas formas, texturas, temperatura e contornos, parte por parte... cantinho por cantinho... Bem... É claro que, logo logo , você o vai reconhecer!... Nesse momento, a "incrível mágica" que sua mente lhe terá proporcionado, é que ela terá resgatado de sua memória e trazido à tona a imagem associada ao objeto em foco. Assim, você terá experimentado a visão através das mãos, vendo o que uma pessoa cega vê!...

Apenas convem ressaltar que, como tudo na vida, a prática é fundamental. Desse modo, dependendo do tempo que uma pessoa cega convive com essa limitação, e da sua própria capacidade de se adaptar a sua condição, esse mecanismo será mais ou menos desenvolvido, oferecendo-lhe maiores ou menores recursos de visualização.

Glauco Cerejo (Músico e Professor de Música)



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