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Introdução:

Ao ingressar na faculdade de Informática da UFRJ, Marcelo enfrentou muitas dificuldades para acompanhar as disciplinas práticas de computação, já que algumas aulas e exercícios eram ministradas em laboratório, e os computadores disponíveis não tinham nenhum tipo de adaptação para serem usados por deficientes visuais.
Um professor do curso, chamado Mário Oliveira, convidou Marcelo a participar do programa de Iniciação Científica do CNPQ, escrevendo um projeto direcionado ao uso do computador pelos cegos.
Em princípio, Marcelo não se sentiu capaz em participar de um programa de iniciação científica, ainda mais estando no primeiro período do curso, onde ainda não tinha conhecimentos para criar algo tão complexo.
Porém, Marcelo aceitou o desafio, e com ajuda de alguns amigos de curso, que fizeram algumas pesquisas na Bitnet (1), sobre adaptações e equipamentos especiais para que deficientes visuais pudessem usar o computador.
Através dessas pesquisas, Marcelo descobriu que nos Estados Unidos e na Europa, alguns deficientes visuais usavam o computador através de Sintetizadores de voz (2), no entanto, estes não existiam em português, e tinham preços muito altos, o que praticamente inviabilizava sua importação.
Além dos sintetizadores, existiam também impressoras Braille (3) e Softwares de OCR (4), que ajudavam na transcrição de material impresso para o sistema Braille.


A Criação do Projeto:

Com esses dados, Marcelo escreveu um projeto chamado "Computação para Cegos", onde seria criado um laboratório com um ccomputador, uma impressora Braille, um Scanner, um sintetizador de voz, com os quais seriam desenvolvidos produtos direcionados ao uso do computador pelos deficientes visuais.
Além disso, o laboratório seria colocado à disposição dos alunos cegos da UFRJ, para produção de material didático em Braille, o que na época era impossível de encontrar.
O projeto foi aprovado pela comissão responsável, e Marcelo começou seu trabalho em criar Softwares de fala para deficientes visuais. Entretanto, os equipamentos do projeto não haviam chegado, e Marcelo trabalhava apenas com seu computador pessoal, sem nenhuma adaptação, e apenas com o apoio de seus familiares e colegas de classe, que liam para ele os resultados dos programas que apareciam na tela do PC.
Nessa altura, Marcelo procurou o professor da UFRJ, chamado Nelson Quilula, que já havia comentado com Marcelo sobre uma rotina de fala para computadores PC, de sua própria autoria.
Essas rotinas eram bastante simples, e de baixa qualidade, pois a fala era emitida pelo próprio alto-falante do computador, já que em 1992 não existiam placas de som.
Ao conhecer as rotinas, Marcelo adaptou ao alto-falante do seu PC um fio mais longo com um plug p2, para conectá-lo a entrada de microfone de seu aparelho de som.
Com essa adaptação, apesar da baixa qualidade, Marcelo conseguiu desenvolver alguns programas que já dariam um pouco de independência ao seu trabalho, dentre eles um programa que gerenciava os arquivos de um diretório.
No entanto, Marcelo ainda não possuía conhecimentos profundos para melhorar a qualidade da voz que utilizava, e nem conseguia progredir muito em seu projeto, já que seu orientador atual era um Matemático, e não tinha muitos conhecimentos de programação em baixo nível.


Uma grande mudança:

Quando Marcelo estava no terceiro período, se inscreveu na disciplina de Computação Gráfica, que era obrigatória aos alunos do curso de Informática. Durante a apresentação, o professor notou que Marcelo tinha algum tipo de problema visual. Ao término da aula, se dirigiu a ele para se inteirar da real situação do aluno. Marcelo relatou ao professor sua situação de cego, a qual deixou o professor bastante confuso. Como ministrar um curso de Computação Gráfica para um aluno cego?
Este professor era José antônio Borges, que chegou a cogitar a dispensa de Marcelo daquela cadeira, porém, Marcelo sabia que aquela cadeira era obrigatória, e mesmo sem poder ver as imagens e animações na tela do computador, ele precisava conhecer os métodos matemáticos e técnicas de algorítmos utilizados para obter os efeitos visuais desejados.
Após refletir muito, o professor Antônio Borges decidiu que Marcelo acompanharia toda parte teórica do curso, mas os trabalhos práticos teriam um outro foco: Computação Sonora.
Ao comunicar sua decisão de ministrar trabalhos práticos em sistemas sonoros, Marcelo apresentou a Antônio o seu projeto, e comentou sobre sua dificuldade em continuar o desenvolvimento.
Quando Marcelo mostrou o seu trabalho para Antônio, este último viu que dali para frente teriam muito o que fazer, já que a qualidade da voz era sofrível, e não serviria para o que o projeto pretendia.
Sendo assim, Antônio mergulhou em uma árdua pesquisa para fazer com que o computador da época pudesse produzir fala com uma qualidade aceitável. Após muito estudo e conversas, leu numa revista Byte ® sobre uma forma de construir um conversor digital-analógico, que se ligava à saída paralela de um PC comum, e através desse conversor, seria possível reproduzir sons com maior qualidade.
Com isso, Antônio montou o pequeno circuito eletrônico, e fez vários testes de programação para conseguir fala com um PC.
Para isso, utilizou uma estação Sun (5) para gravar os sons que precisava, como as letras do alfabeto, símbolos, algarismos e algumas falas especiais.
Com esse material, conseguiu fazer com que o computador falasse as letras apenas, mas já era um grande avanço, já que a qualidade, mesmo não sendo a ideal, era bem superior a fala produzida pelo alto-falante do pc.
Enquanto isso, Marcelo começou a produzir vários mini-aplicativos como seus trabalhos práticos para o curso de Computação Gráfica, dentre eles se destacam um Soletrador de Arquivos, um programa que passado um nome de arquivo, soletrava todo o seu conteúdo; outro programa foi um Falador do que aparecia na tela, utilizando algumas rotinas residentes que, ao serem acionadas, permitiam que Marcelo percorresse a tela com as setas e ouvisse, letra a letra, o que estava sendo exibido.
Ainda insatisfeito com a qualidade da fala, Antônio começou a procurar por placas de som, que naquela época estavam começando a surgir no mercado paralelo, porém, os preços ainda eram absurdamente caros.
Antônio refletiu muito, e resolveu fazer um sacrifício para comprar uma placa de som, para que os sons dos programas que, ele e Marcelo estavam desenvolvendo, ficassem mais adequados ao ouvido humano.
Assim sendo, foram gravados arquivos Wave (6), que deixaram a qualidade do som produzido pelo PC praticamente perfeita.
Tendo agora uma fala de qualidade, Antônio orientou que Marcelo desenvolvesse um programa de maior porte: um editor de textos, que seria o seu trabalho final para a disciplina de Computação Gráfica.
Marcelo desenvolveu o Edivox, o primeiro Software nacional feito para portadores de deficiência visual, um editor de textos baseado no ® Word Star (7) que soletrava as letras digitadas, e permitia ao cego ouvir, letra a letra, o conteúdo de um arquivo de texto.
Depois de terminado o curso de Computação Gráfica, Antônio continuou como orientador do projeto, e o resultado fez tanto sucesso, que ambos resolveram realizar uma apresentação, convidando muitos professores e diretores da UFRJ.
No dia marcado, muitas pessoas compareceram, dentre elas estavam Sub-reitores, Decanos, e diretores de departamentos dos cursos de matemática e de Informática.
A apresentação foi um grande sucesso, e o projeto começava a entrar por um novo caminho.


Difundindo a tecnologia:

No ano de 1994, com o apoio do NCE, resolveu-se realizar um curso de Edivox para todos os alunos cegos da UFRJ. Porém, o Edivox era um programa único, que precisava do ® MS-DOS, que Marcelo dominava muito bem, mas os outros cegos da Universidade provavelmente não soubessem, já que só Marcelo cursava Computação.
Preocupado com esse aspécto, Antônio convidou Marcelo para construírem uma espécie de sistema operacional, que usasse respostas de som para alguns comandos, e oferecessem alguma facilidade de operação no ® MS-DOS.
Nascia aí o Dosvox, um programa baseado em menus falados, que praticamente guiava o usuário na operação do computador.
O curso foi um grande sucesso entre os cegos, já que todos os alunos nunca haviam sequer tocado em um computador, e a capacidade de digitar textos de forma independente, bem como poder ouvir on que se escrevia, e também corrigir e apagar trechos que saíam errados eram facilidades fantásticas, levando-se em conta que isso não era tão usual na vida daquelas pessoas.
A partir desse curso, a vida de Marcelo e Antônio mudou bastante, pois choveram telefonemas de outros deficientes visuais querendo fazer o curso, querendo adquirir o Dosvox, querendo comprar computador... enfim, a semente já tinha florescido, e estava dando seus frutos.


Evolução do Dosvox:

Após a enorme procura pelo novo sistema, era necessário que fosse desenvolvida uma fala sintetizada, em vez da soletragem, que o Dosvox ainda tinha. Graças a um projeto de fim de curso de 3 alunos de Informática que foi orientado também por Antônio Borges, fez-se a conversão para a arquitetura dos PCs da época, e o Dosvox ganhava a possiblidade de fala sintética. Mesmo que não fosse uma fala tão perfeita, todos os usuários ficaram extremamente satisfeitos, e cada dia mais cegos do Brasil estavam usando o computador no seu dia-a-dia.


Uma questão importante:

Com a grande procura de pessoas pelo Dosvox, Antônio e Marcelo precisavam estudar uma forma de distribuir o sistema, mas tinha que ser algo não-burocrático, com suporte de qualidade, e que atendesse com rapidez à demanda existente.
Por questões éticas e morais, Marcelo e Antônio resolveram abrir mão deobter lucro com a distribuição do Dosvox, e oproduto foi vendido a preço de custo, que incluia os disquetes, o circuito conversor, fone de ouvido, embalagem, fitas com manual de operação, impostos e postagem.
Atualmente, o Dosvox é totalmente grátis, bastando que o usuário faça o download de seu pacote de instalação pela Internet.


Conclusão:

Hoje, mais de 5000 (cinco mil) deficientes visuais de todo o Brasil usam o computador para facilitar suas tarefas diárias. Seja para trabalho, diversão, informação, cultura, o Dosvox está ali, sempre presente, sendo uma ferramenta útil, que mudou, e ainda muda, a vida de muitas pessoas.


Mais informações:

Para maiores informações clique: Dosvox


Glossário:

(1) BITNET: Um acronismo de Because Its Time Network - é uma rede acadêmica e de pesquisa iniciada em 1981. Formada, na sua maior parte, por mainframes IBM, interligava universidades e institutos de pesquisa dos EUA, Europa e Japão. Utilizava um protocolo diferente do TCP/IP, chamado RSCS (Remote Spooling Communication System). Teve seu tráfego encerrado em 1996.

(2) Sintetizador de voz: Hardware e/ou Software responsável por transformar em fala os textos que são exibidos na tela do computador.

(3) Braille: método usado pelos cegos para escrita e leitura através de 6 pontos em relevo, que combinados formam as letras do alfabeto, números, símbolos e sinais de pontuação.

(4) Softwares de OCR: programa que faz o reconhecimento de textos impressos em papel para o formato digital, para isso usa a técnica de OCR (Optical Character Recognizer), que encontra o caracter mais semelhante a imagem recuperada digitalmente.

(5) Estação Sun:um computador que não pertence à família do PC, e é baseado em sistemas Unix.

(6) Wave: formato de arquivo de som muito comum no Windows, faz codificação de uma onda de som.

(7) ® Word Star: famoso editor de textos para MS-DOS, com o advento do Windows foi descontinuado.


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