NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS
NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS
Elizabet Dias de Sá
Especialização em Psicologia Educacional pela PUC/MG
O contexto das definições
A expressão necessidades especiais tornou-se bastante conhecida no meio acadêmico,
no sistema escolar, nos discursos oficiais e mesmo no senso comum. Surgiu da intenção
de atenuar ou neutralizar a acepção negativa da terminologia adotada para distinguir os
indivíduos em suas singularidades por apresentarem limitações físicas, motoras,
sensoriais, cognitivas, lingüísticas ou ainda síndromes variadas, altas habilidades,
condutas desviantes etc. Tal denominação foi rapidamente difundida e assimilada, talvez,
pela amplitude e abrangência de sua aplicabilidade.
Nessa perspectiva, podemos dizer que indivíduos cegos apresentam necessidades
consideradas especiais, porque a maioria das pessoas não necessitam dos recursos e
ferramentas por eles utilizados para ter acesso à leitura, à escrita e para se deslocar de
um lado para outro, em sua rotina. Essas pessoas necessitam, por exemplo, do sistema
braille, de livros sonoros, de ledores, de softwares com síntese de voz, de bengalas,
cães-guia ou guias humanos. O mesmo raciocínio se aplica às pessoas que necessitam
de muletas, cadeiras de rodas ou andadores para sua locomoção. Da mesma forma, os
surdos valem-se da linguagem gestual e da experiência visual em sua comunicação.
Existem também aqueles que necessitam de cuidados especiais para a alimentação, o
vestuário, a higiene pessoal e outros hábitos ou atividades rotineiras. Em tais casos,
essas pessoas necessitam desenvolver habilidades, funções e aprendizados específicos.
Algumas dessas necessidades podem ser temporárias ou permanentes, dependendo da
situação ou das circunstâncias das quais se originam.
A literatura especializada a este respeito, particularmente representada pelos estudos de
TELFORD & SAWREY (1978), é ilustrativa do longo e enviesado caminho percorrido para
se chegar a uma conceituação que fosse mais precisa, científica e qualitativamente
aceitável. Para esses teóricos:
"A tendência atual é empregar termos menos estigmatizantes, mais gentis e menos
carregados emocionalmente, em substituição aos mais antigos, que adquiriram
conotações de desamparo e desesperança. (...) Embora a redenominação de antigas
categorias reflita em parte as concepções cambiantes e a maior precisão na definição e
classificação, ela é antes um reflexo de nossa ênfase cultural na crença democrática de
que todas as pessoas nascem iguais e de nossa tentativa de evitar as conotações de
inferioridade intrínseca que eventualmente se acrescentam aos termos empregados com
referência a grupos de pessoas percebidas como deficientes. Embora os rótulos sejam
necessários para alguns fins, há uma tendência a utilizá-los tão pouco quanto possível,
em vista dos estigmas associados a muitos deles (...)." (ROSSMAN, 1973).
"É paradoxal que, quanto mais aprendemos acerca das pessoas excepcionais, menos
confiantes nos tornamos quanto a nossa capacidade de classificá-las de maneira útil.."
(BOGDAN e TAYLOR, 1976).
Esses estudos representam uma contraposição à arbitrariedade e ao cunho
preconceituoso e depreciativo que impregnavam a terminologia circulante entre pais,
especialistas e o público em geral com referência às limitações física, motora, sensorial,
cognitiva, às diferentes sídromes ou ao sofrimento mental. Tais proposições revelam uma
mesma tendência, isto é, a preocupação em explicitar por meio de palavras ou
expressões politicamente corretas, as virtudes e intenções de paradigmas ou concepções
vigentes no decorrer das últimas décadas. Note-se que a conclusão apontada pelos
autores sugere um movimento dinâmico, pouco satisfatório e, por isso, sujeito a
incessantes indagações.
Assim, as manifestações de certas características, peculiaridades ou diferenças
individuais inspiraram a denominação corrente de pessoas com necessidades especiais
para designar o que antes era concebido como grupos ou categorias de indivíduos
excepcionais. Nesse contexto, a expressão alunos ou crianças excepcionais foi
substituída por crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais e
ratificada internacionalmente na Declaração de Salamanca (ver verbete Escola Inclusiva) .
No Brasil, em 1986, o MEC já adotava tal designação que passou a figurar como
portadores de necessidades educacionais especiais-PNEE na Política Nacional de
Educação Especial (SEESP/MEC/1994), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN, Lei n. 9.394/96) e, finalmente, nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a educação especial (MEC/2001). Portanto, a nomenclatura está oficialmente
consagrada até que seja destituída pela hegemonia de uma nova
concepção.
Dilemas e controvérsias
A expressão necessidades educacionais especiais e correlatas obteve franca adesão por
parte do sistema escolar e despontou como um verdadeiro achado no sentido de alargar
os horizontes da educação especial. Isso porque, além de ser considerada um eufemismo
capaz de esvaziar a suposta negatividade do termo portadores de deficiências, legitima e
amplia o contingente de educandos a serem contemplados pelos serviços de apoio
especializado. Trata-se, pois, de um postulado atraente pela abrangência e pela
pretensão de ressignificar o desgastado jargão de diversos segmentos organizados por
áreas de deficiência.
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para a educação especial
(SEESP/MEC/01), essa expressão pode ser utilizada para referir-se a crianças e jovens
cujas necessidades decorrem de sua elevada capacidade ou de suas dificuldades para
aprender. Está associada, portanto, a dificuldades de aprendizagem, não
necessariamente vinculada a deficiência(s). Trata-se de um leque de manifestações, de
natureza orgânica ou não, de caráter temporário ou permanente cujas conseqüências
incidem no processo educacional. Ao mesmo tempo, as necessidades especiais são
caracterizadas como manifestações decorrentes de dificuldades de aprendizagem, de
limitações no processo de desenvolvimento com comprometimento do desempenho
escolar, de dificuldades de comunicação e sinalização, de altas habilidades ou
superdotação. A extensão do termo é tão ampla que se torna difícil perceber quem não
apresenta necessidades educacionais especiais.
Ao analisar os meandros dessa questão, MAZZOTTA (2001) nos alerta:
"Alunos e escolas são adjetivados de comuns ou especiais e em referência a uns e
outras são definidas necessidades comuns ou especiais a partir de critérios
arbitrariamente construídos por abstração, atendendo, muitas vezes, a deleites pessoais
de experts ou, até mesmo, de espertos. Alertemo-nos, também, para os grandes
equívocos que cometemos quando generalizamos nosso entendimento sobre uma
situação particular (...). Hoje, e provavelmente ainda por muitos anos do século XXI, as
expressões Alunos Especiais e Escolas Especiais são empregadas com sentido
genérico, via de regra, equivocado. Ignora-se, nestes casos, que todo aluno é especial e
toda escola é especial em sua singularidade, em sua configuração natural ou física e
histórico-social. Por outro lado, apresentam necessidades e respostas comuns e
especiais ou diferenciadas na defrontação dessas duas dimensões, no meio físico e
social."
Considerem-se também os ecos provenientes do movimento de pessoas com deficiência,
especialmente marcado pela década de 80 do século passado, quando a grita geral pela
afirmação de direitos ecoou em contraposição ao enfoque assistencial e terapêutico da
nomenclatura preponderante. Nesse contexto, termos como deficientes, incapazes,
retardados, excepcionais e correlatos foram descartados, consagrando-se a expressão
portadores de deficiência para referir-se a pessoas com limitações física, sensorial,
mental ou múltipla. Posteriormente, a classificação genérica portadores de necessidades
especiais passou a englobar essas e outras categorias.
As incessantes indagações inspiram novas proposições como é o caso, por exemplo, da
denominação Portadores de Direitos Especiais - PODE - proposta por Frei Beto. Mas as
ressalvas e sutilezas continuam, pois o termo portadores de caiu na armadilha do léxico
que aprisiona o sujeito ao desconforto de portar ou carregar deficiências, necessidades ou
direitos.
As definições no contexto da escola
O uso indiscriminado desses termos, nas escolas, pode gerar conseqüências negativas
quando um aluno ou um grupo de alunos são apontados como especiais e passam a ser
tratados como um problema para a escola. Dependendo da forma como tais expressões
são empregadas, deixam de ser achados importantes para se tornarem achismos que
não contribuem com a escolarização bem-sucedida do alunado. Convém lembrar as
recomendações de MAZZOTTA (2001) quanto ao perigo das generalizações, dos
construtos arbitrários e abstratos que resultam em práticas e entendimentos equivocados.
A terminologia aqui apresentada não escapa ao descontentamento daqueles que
encaram tal generalização como meras tentativas de encobrir, negar ou descaracterizar
as especificidades das várias deficiências. Além disso, há os que consideram a polêmica
inócua e desnecessária ou que serve, apenas, para desviar o foco das discussões
primordiais. Tais expressões e seus derivados não deveriam ser empregadas para
classificar, discriminar, rotular ou incentivar a disseminação de idéias preconceituosas e
pejorativas. O aprofundamento dessa temática mostra a persistência de um movimento
dinâmico e parodoxal de adesão, contraposição e desconfiança, quando se trata de
estabelecer categorias ou classificações de seres humanos.
PARA SABER MAIS . . .
BRASIL. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica. Parecer n. 17,
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Relatores: Kuno
Paulo Rhoden ; Sylvia Figueiredo Gouvêa. Aprovado em: 03 set. 2001. Disponível em:
. Acesso em: 07 maio 2002.
Trata-se de um consolidado de recomendações e orientações básicas para a organização
do trabalho pedagógico no que se refere às modalidades de inserção do alunado com
necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino. Propõe a organização
de serviços de apoio especializado e aponta estratégias de adaptações
curriculares.
BRASIL.Ministério da Justiça/ CORDE. Declaração de Salamanca e linhas de ação
sobre necessidades educativas especiais. Brasília: CORDE, 1994.
Essa declaração é fruto do consenso internacional acerca da proposta de uma escola
inclusiva. Reúne princípios, proposições e recomendações que visam assegurar o direito
de todos à educação.
MASINE, E.F.S.(org.) Do sentido pelos sentidos para o sentido: sentidos das
pessoas com deficiência sensorial. São Paulo: Vetor, 2002
Esse livro apresenta um panorama do que é estar no mundo sem os sentidos de
distância. Oferece ao leitor, de diferentes perspectivas, a oportunidade de aproximar-se
da pessoa com deficiência sensorial para conhecê-la na sua singularidade. Convida a
refletir sobre o que significa dispor, ou não, da visão e da
audição.
MAZZOTA, M. J. S. Dilemas e perspectivas da educação do portador de deficiência no
novo milênio. Anais do Fórum Nacional de Educação. Educação Brasileira no Século XXI:
Desafios e perspectivas. Anais... João Pessoa: 2001. p. 29-36.
Nesse texto, o autor apresenta algumas reflexões sobre a linguagem empregada nas
políticas sociais públicas no Brasil. Discute expressões no âmbito da educação escolar
para alunos com necessidades educacionais especiais e aponta possibilidades de
equívocos e afirmações ilusórias com relação à busca da inclusão escolar de tais alunos
no sistema escolar brasileiro.
SACKS, Oliver. Um antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais. São Paulo:
Companhia das Letras, (s.d.)
Nesse livro, o autor apresenta uma interessante narrativa de casos clínicos, numa
abordagem literária. Apresenta uma descrição fenomenológica das reações e alterações
decorrentes de síndromes ou deficiências, com ênfase nas características individuais e na
singularidade das interações estabelecidas entre o sujeito, o analista e o meio
circundante.
SAWREY, J.M.; TELFORD, C.W. O indivíduo excepcional. Rio de Janeiro: Zahar,
1998.
Esse livro é uma resenha de categorias de indivíduos excepcionais na qual se explicitam
paradigmas, concepções, tendências e construtos teóricos focalizados em um quadro de
referência histórico-cultural. Trata-se da abordagem de modelos conceituais,
estereótipos, estigmas e desvios apresentados numa perspectiva de revisão crítica.
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