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EDUCAÇÃO INCLUSIVA .


Ensinando a turma toda - as diferenças na escola

*** Ensinando a turma toda - as diferenças na escola Maria Teresa Eglér Mantoan Universidade Estadual de Campinas - Unicamp Faculdade de Educação - Departamento de Metodologia de Ensino Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade – LEPED/Unicamp A sala de aula é o grande termômetro pelo qual se mede o grau de febre das mudanças educacionais e é nesse micro espaço que as reformas verdadeiramente se efetivam ou fracassam. Embora a palavra de ordem seja reformar o nosso ensino, em todos os seus níveis, o que verificamos quase sempre é que ainda predominam formas de organização do trabalho escolar que não se alinham na direção de uma escola de qualidade para todos os alunos. Se queremos, de fato, reformar o ensino, a questão central ao nosso ver é: Como criar contextos educacionais capazes de ensinar todos os alunos? Mas, sem cair nas malhas de sistemas e programas vigentes, que nada têm servido para que as escolas se transformem. Outras interrogações derivam desta questão principal, tais como: que práticas de ensino ajudam os professores a ensinar todos os alunos de uma mesma turma, atingindo a todos, apesar de suas diferenças? De que qualidade e de que escolas estamos falando, quando nos referimos a essas reformas? Neste texto vamos discutir essas questões, em torno das quais gravitam inúmeras propostas de renovação do ensino. Todas estão buscando saídas para abordar da melhor maneira possível os problemas derivados da conjunção do direito de todos ao saber à necessidade de se formar uma geração que dê conta das demandas de uma sociedade do conhecimento, cujo perfil pós-moderno é baseado na heterogeneidade, nas diferenças. A nossa intenção, diante desse quadro situacional, é recriar a escola para que seja a porta de entrada das novas gerações para o mundo plural em que já estamos vivendo. Nesse sentido, pensamos que, de antemão, as reformas educacionais e todas as interrogações sobre o papel da escola exigem que se repense a prática pedagógica tendo a Ética, a Justiça e os Direitos Humanos como eixos. Este tripé sempre sustentou o ideário educacional, mas nunca teve tanto peso e implicação como nos dias atuais, em que se luta para vencer a exclusão, a competição, o egocentrismo e o individualismo, em busca de uma nova fase de humanização e de socialização, que supere os pressupostos hegemônicos do liberalismo, baseada na interatividade, na superação de barreiras físicas, psicológicas, espaciais, temporais, culturais e acessível a todos. Recriar o modelo educativo A emergência dessa nova sociedade alerta os educadores sobre a contribuição da escola na formação dos que viverão em um mundo diferente, que já desponta. Superar o sistema tradicional de ensinar e de aprender é um propósito que temos de efetivar urgentemente, nas salas de aula, pois são elas as incubadoras do novo e de onde sairão os que vão definitivamente estabelecer as bases do próximo milênio - as crianças e jovens de hoje. Recriar o modelo educativo refere-se primeiramente ao que ensinamos aos alunos e a como os ensinamos para que cresçam e se desenvolvam sendo seres éticos, justos e revolucionários, pessoas que têm de reverter uma situação de que não demos conta, ou seja, mudar o mundo e torná-lo mais humano. Recriar esse modelo tem a ver com o que entendemos como qualidade de ensino. Há tempos que qualidade de ensino significa alunos com cabeças cheias de datas, fórmulas, conceitos, todos justapostos, lineares, fragmentados, enfim, o primado do conteúdo curricular na escolarização. Escolas consideradas de qualidade ainda são as que centram a aprendizagem no racional e que avaliam os alunos, quantificando respostas padrão Seus métodos e práticas preconizam a exposição oral, a repetição, a memorização, os treinamentos, o livresco, a negação do valor do erro. São aquelas escolas que estão sempre preparando o aluno para o futuro: seja este a próxima série a ser cursada, o nível de escolaridade posterior, o exame vestibular ! Pensamos que uma escola se distingue por um ensino de qualidade, capaz de formar dentro dos padrões requeridos por uma sociedade mais evoluída e humanitária, quando promove a interatividade entre os alunos, entre as disciplinas curriculares, entre a escola e seu entorno, entre as famílias e o projeto escolar. Definimos um ensino de qualidade a partir de critérios de trabalho pedagógico que implicam em formação de redes de saberes e de relações, que se enredam por caminhos imprevisíveis para chegar ao conhecimento. A aprendizagem nessas circunstâncias é acentrada, ora destacando o aspecto racional, ora o intuitivo e o sensorial, ora o social e o afetivo dos alunos. Em suas práticas e métodos predominam as co-autorias de saber, a experimentação, a cooperação, protagonizadas por alunos e professores, pais e comunidade. Nessas escolas o que conta é o que os alunos são capazes de aprender hoje e o que podemos lhes oferecer para que se desenvolvam em um ambiente rico e verdadeiramente estimulador de suas potencialidades. Em uma palavra, uma escola de qualidade é um espaço educativo de construção de personalidades humanas, autônomas, críticas, uma instituição em que todas as crianças aprendem a ser pessoas. Nesses ambientes educativos ensinam-se os alunos a valorizar a diferença, pela convivência com seus pares, pelo exemplo dos professores, pelo ensino ministrado nas salas de aula, pelo clima sócio-afetivo das relações estabelecidas em toda a comunidade escolar - sem tensões competitivas, solidário, participativo, colaborativo. Escolas assim definidas são contextos educacionais capazes de ensinar todos, numa mesma turma. E nesse sentido, não excluem ninguém de seus programas, de suas aulas, das atividades e do convívio escolar mais amplo. Ensinar a turma toda, sem exclusões Para ensinar a turma toda, parte-se da idéia de que as crianças sempre sabem alguma coisa, de que todo educando pode aprender, mas a seu modo e a seu ritmo e de que o professor não deve desistir, mas nutrir uma elevada expectativa em relação à capacidade de seus alunos conseguirem vencer os obstáculos escolares, apoiando-os na remoção das barreiras os impedem de aprender. Entende que o sucesso da aprendizagem tem muito a ver com a exploração dos talentos de cada um e que a aprendizagem centrada nas possibilidades e não nas dificuldades dos alunos é uma abordagem efetiva. Em outras palavras, a proposta de se ensinar a turma toda, independentemente das diferenças de cada um dos alunos, implica a passagem de um ensino transmissivo para uma pedagogia ativa, dialógica, interativa, conexional, que se contrapõe a toda e qualquer visão unidirecional, de transferência unitária, individualizada, hierárquica do saber. Essa proposta referenda o que chamamos de ensino não disciplinar, caracterizado por: - rompimento das fronteiras entre as disciplinas curriculares ; - integração de saberes, decorrente da interdisciplinaridade, em contraposição ao consumo passivo de informações e de conhecimentos sem sentido; - modelo de currículo rizomático, formando redes de conhecimento e de significações, em contraposição a currículos arbóreos (verdades prontas e acabadas, listadas em programas escolares seriados) ; - policompreensões da realidade e multiplicidade de saberes; - descoberta, inventividade e autonomia dos sujeito, na conquista do conhecimento; - ambientes polissêmicos, favorecidos por temas de estudo que partem da realidade, da identidade social e cultural dos alunos, contra todo o primado do enunciado desencarnado e do conhecimento pelo conhecimento. Para se ensinar a turma toda temos de propor atividades abertas, diversificadas, isto é, atividades que possam ser abordadas por diferentes níveis de compreensão e de desempenho dos alunos e em que não se destaquem os que sabem mais ou os que sabem menos, pois tudo o que essas atividades propõem pode ser disposto, segundo as possibilidades e interesses dos alunos que optaram por desenvolvê-las. Debates, pesquisas, registros escritos, falados, observação; vivências são processos pedagógicos indicados para realizar essas atividades, além, evidentemente, dos conteúdos das disciplinas, que vão sendo chamados espontaneamente a esclarecer os assuntos em estudo. A avaliação do desenvolvimento dos alunos também muda, por coerência com a prática referida anteriormente. Trata-se de uma análise do percurso de cada estudante, do ponto de vista da evolução de suas competências ao resolver problemas de toda ordem e de seus progressos na organização do trabalho escolar; no tratamento das informações e na participação na vida social da escola. É bíblica a citação: Ninguém põe remendo de pano novo em vestido velho, porque semelhante remendo rompe o tecido e faz-se maior a rotura. (Mateus 9-16). A analogia é com a maioria dos projetos de inclusão escolar, que persistem em remendar situações escolares referentes a dificuldades de alguns alunos que não “acompanham” a turma, reduzindo a questão a atendimentos à parte, segregados, que só aumentam o rotura do ensino regular, cada vez mais desobrigado a responder pelos casos de fracasso escolar. Criar contextos educacionais capazes de ensinar a todos os alunos demanda uma reorganização do trabalho escolar. Tais contextos diferem radicalmente do que é proposto pedagogicamente para atender às especificidades dos educandos que não conseguem acompanhar seus colegas de turma, por problemas de toda ordem – da deficiência mental a outras dificuldades de ordem relacional, motivacional, cultural. Sugerem-se nestes casos as adaptações de currículos, a facilitação das atividades escolares, além dos programas para reforçar as aprendizagens ou mesmo acelerá-las, em casos de maior defasagem idade/séries escolares. A possibilidade de se ensinar a turma toda, sem discriminações e sem adaptações pré definidas de métodos e práticas especializadas de ensino advém, portanto, de uma reestruturação do projeto pedagógico-escolar como um todo e das reformulações que esse novo projeto exige da prática de ensino, para que esta se ajuste a novos parâmetros de ação educativa. Enquanto os professores do ensino escolar, especialmente os do nível fundamental, persistirem em: - propor trabalhos coletivos, que nada mais são do que atividades individuais feitas ao mesmo tempo pela turma - ensinar com ênfase nos conteúdos programáticos da série; - adotar o livro didático, como ferramenta exclusiva de orientação dos programas de ensino; - servir-se da folha mimeografada ou xerocada para que todos os alunos a preencham ao mesmo tempo, respondendo às mesmas perguntas, com as mesmas respostas; - propor projetos de trabalho totalmente desvinculados das experiências e do interesse dos alunos, que só servem para demonstrar a pseudo adesão do professor às inovações; - organizar de modo fragmentado o emprego do tempo do dia letivo para apresentar o conteúdo estanque desta ou daquela disciplina e outros expedientes de rotina das salas de aula. - considerar a prova final, como decisiva na avaliação do rendimento escolar do aluno não teremos condições de ensinar a turma toda, reconhecendo as diferenças na escola. Estas práticas pedagógicas configuram um ensino para alguns alunos. E para alguns, em alguns momentos, algumas disciplinas, atividades e situações de sala de aula. A exclusão então se manifesta amplamente, atingindo a todos os alunos, em um ou em outro momento do dia escolar, porque sempre existem os que não aceitam deliberadamente uma proposta de trabalho escolar descontextualizada, sem sentido e atrativos intelectuais, porque não desafia, não atende a motivações pessoais. Essas atividades servem para gerar indisciplina, competição, discriminação, preconceitos e para categorizar os bons e os maus alunos, por critérios infundados e irresponsáveis. E a atuação do professor? Nunca será fora do tempo lembrar o que nos ensinou Paulo Freire em idos de 1978: A educação autêntica, repitamos, não se faz de ‘A’ para B’, ou de ‘A sobre B’, mas de ‘A’ com ‘B’, mediatizados pelo mundo .(Pedagogia do oprimido) O professor palestrante, tradicionalmente identificado com a lógica de distribuição do ensino pratica a pedagogia do ‘A’ para e sobre ‘B’. Essa unidirecionalidade da prática de ensino supõe que os alunos assistam a cada dia letivo a um discurso, nem sempre dos mais atraentes, em um palco distante, que separa o orador do público. O professor que ensina a turma toda compartilha com seus alunos a autoria dos conhecimentos produzidos em uma aula; trata-se de um profissional que reúne humildade com empenho e competência para ensinar, pois o falar e o ditar não são mais os seus recursos didático-pedagógicos básicos. O ensino expositivo não cabe nas salas de aula em que todos interagem e participam ativamente da construção de idéias, conceitos, sentimentos, valores. Assim sendo, ele arquiteta um território de exploração de conhecimentos e o explora com os seus alunos, experimentando, vivendo as etapas dessa aventura e percebendo passo a passo o que cada aprendiz consegue apreender e como procede ao avançar nessa exploração. É evidente que o professor que engendra e participa da caminhada do saber com seus alunos e mediatizado pelo mundo pode entender melhor como se tece o conhecimento na sala de aula. Os diferentes sentidos e representações que os alunos atribuem a um dado objeto de estudo vão formando redes de conhecimento, cuja trama é imprevisível a priori, mas que vai se revelando pouco a pouco. A rede de conhecimentos é uma construção de todos e nela não se distinguem os que sabem mais dos que sabem menos, pois todas as contribuições se entrelaçam. Ensinar a turma toda é promover situações de aprendizagem que ensejam a formação desses tecidos coloridos, de vários fios, cada qual expressando uma possibilidade de interpretar, de entender de aprender em grupo e cooperativamente. Um ponto crucial do ensinar a turma toda é reconhecer o outro em sua inteligência e valorizá-lo, de acordo com seus saberes e com a sua identidade sócio-cultural. Sem estabelecer uma referência, mas investindo nas diferenças e na riqueza de um ambiente que confronta significados, desejos, experiências, o professor deve garantir a liberdade e a diversidade das opiniões dos alunos e nesse sentido ele é obrigado a abandonar crenças e comportamentos que negam ao aluno a possibilidade de aprender a partir do que sabe e chegar até onde é capaz de progredir. Pelo modelo teórico multiculturalista as diferenças entre grupos étnicos, religiosos, de gênero, sexuais, etc. não se fundem numa única identidade, ensejando um modo de interação entre eles, em que não é valido que se desfaçam as peculiaridades de cada um. Da mesma forma, o professor não elimina as diferenças em favor de uma unidade do alunado, que é tão almejada pelos que apregoam a (falsa) homogeneidade das salas de aula. Antes, está atento à pluralidade de vozes que compõem a turma, promovendo o diálogo, complementando-as. Desigualdades e sucesso na escola As desigualdades tendem a se agravar quanto mais especializamos o ensino para alguns alunos. Essa desigualdade, inicialmente escolar, expande-se para outros domínios e áreas e marca indelevelmente as pessoas, desde a escola. O ensino para a turma toda ataca esse mecanismo perverso que atinge as pessoas desde os seus primeiros tempos de vida, especialmente as crianças com deficiências. Não se pode imaginar um ensino para todos, quando caímos na tentação de constituir grupos por séries, por níveis de desempenho escolar e atribuímos a cada nível tarefas adaptadas. Essa maneira de agir pedagogicamente instala cada criança em seu nível e aumenta ainda mais as diferenças, acentuando as desigualdades e promovendo o fracasso e distanciamento escolares. Tal organização escolar também pode impedir o funcionamento ativo dos alunos frente a situações-problema, pois os grupos de alunos de nível mais elevado têm oportunidade de ir mais longe e os de nível mais baixo de funcionar com menos eficiência. É, sem dúvida, a heterogeneidade que dinamiza os grupos, que lhes dá vigor e funcionalidade. O nosso desafio como educadores é reunir alunos de diferentes níveis, diante de uma situação de ensino, em grupos desiguais, pois assim é que se passa na vida e é assim que a escola deve ensinar a ter sucesso na vida. Temos pois de desconfiar das pedagogias que implementam dispositivos e que se nutrem de bons propósitos de ensinar, de preparar para a vida, mas que favorecem ativamente os desfavorecidos. Ser competente na escola e na vida depende de tempo, e esse tempo é contado desde cedo, quando, nas salas de aula, construímos conhecimento e aprendemos a mobilizá-lo em situações as mais diferentes, que exigem transposições entre o que é aprendido e o que precisa ser resolvido com sucesso e na desigualdade dos níveis, nas diferenças de opiniões, de enfoques, de humores, de sentimentos. Essa transposição e a construção de competências, entendida como nos define Perrenoud (1999): uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles (p.7) tem seu cenário ideal na escola que repete a vida, tal como ela é. Talvez seja este o nosso maior mote: fazer da escola um lugar em que cada um vai para aprender coisas úteis , para enfrentar e viver a vida como um ser livre, criativo e justo. Fazer da escola o local do encontro com o outro, que é sempre e necessariamente diferente. Referências bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1978. PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola;trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. ***


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