Oficina de Educação Inclusiva no Brasil: Tecnologias Assistivas e
Material Pedagógico - Relatório de Elizabet Dias de Sá
OFICINA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL: DIAGNÓSTICO ATUAL E DESAFIOS PARA O FUTURO RELATÓRIO SOBRE TECNOLOGIAS ASSISTIVAS E MATERIAL PEDAGÓGICO
Consultora: Elizabet Dias de Sá
1. APRESENTAÇÃO A elaboração deste relatório baseia-se em um trabalho coletivo, a partir das contribuições dos participantes da Oficina de Educação Inclusiva no brasil e da "lista inclusiva", fórum de discussão "on-line", criado com o objetivo de ampliar a participação e intensificar o debate acerca dos temas norteadores da oficina, realizada no Rio de janeiro entre os dias 24, 25 e 26 de março de 2003. A discussão "on-line" transcorreu entre os dias 12 e 16 de maio e envolveu um grupo heterogêneo com a participação ativa de 39 listantes e a geração de um fluxo de 152 mensagens. Identificamos participantes de diversos Estados brasileiros, da Argentina, Espanha e de Portugal. A diversidade deste fórum de discussão caracterizou-se pela presença de profissionais e especialistas em educação e de outras áreas de conhecimento, além de estudantes de ensino médio e universitários, pais de crianças e adolescentes com deficiência visual ou com Síndrome de Down e pessoas com limitações motoras ou sensoriais. Entre os participantes com deficiência, identificamos usuários de cadeiras de roda, de acionadores de teclado, de leitores de tela, de próteses etc. As informações, relatos de experiência, depoimentos e recomendações foram organizados em tópicos com a intenção de configurar um panorama das tecnologias assistivas e do material pedagógico no contexto educacional.
2. TECNOLOGIA ASSISTIVA: RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS FUNCIONAIS
O sucesso de alunos com deficiência pode ficar comprometido pela falta
de recursos e soluções que os auxiliem na superação de dificuldades
funcionais no ambiente da sala de aula e fora dele. É o que se observa
nas escolas, a partir das situações e necessidades específicas destes
alunos, cujo aprendizado e a realização de atividades próprias da
rotina escolar, junto com toda a turma, são desafiadores para eles,seus
familiares, colegas e professores. Os recursos e as alternativas
disponíveis são considerados algo caro e pouco acessivel para todos. Por
isso, torna-se necessário disseminar esse conhecimento e fomentar a
produção de tecnologias assistivas. É neste contexto que pretendemos
apresentar alguns exemplos de soluções simples e dediversas modalidades de recursos tecnológicos.
A professora que busca a resolução de problemas funcionais, no dia a
dia da escola, mesmo sem o saber, produz tecnologia Assistiva. Por
exemplo, ao engrossar o lápis para facilitar a preensão e a escrita
ou ao fixar a folha de papel com uma fita adesiva para possibilitar
que não deslize com a movimentação involuntária do aluno. Ou ainda,
ao projetar um assento e um encosto de cadeira que garanta estabilidade
postural e favoreça o uso funcional das mãos. Ao fazer isso, a
professora cria soluções e estratégias, a partir do reconhecimento de
um universo particular. Assim, a tecnologia assistiva Ddeve ser
compreendida como resolução de problemas funcionais,em uma perspectiva
de desenvolvimento das potencialidades humanas, valorização de
desejos, habilidades, expectativas positivas e da qualidade de vida.
As diversas modalidades de tecnologias assistivas incluem recursos de
comunicação alternativa, de acessibilidade ao computador, de atividades
de vida diária, de orientação e mobilidade, de adequação postural,
de adaptação de veículos, Órteses e próteses, entre outros. Uma descrição
mais completa destas modalidades pode ser encontrada em:
www.clik.com.br/ta_01.html
2.1 AJUDAS TÉCNICAS
A participação de profissionais e pessoas com deficiência de outros
países contribuiu para a exploração de aspectos relativos ao papel
do Estado quanto à produção, à prescrição e à distribuição de ajudas
técnicas, tema que suscitou questionamentos em diversos contexttos.
A produção de softwares e equipamentos informáticos, especialmente no
campo dos leitores de tela, no Brasil, foi considerada uma iniciativa
pioneira em relação a Portugal e a outros países da
América Latina. Os softwares brasileiros - DOSVOX e Virtual Vision -
projetados para usuários cegos, são comercializados ou distribuidos
gratuitamente por meio de convênios e parcerias com instituições
públicas e privadas.
Embora a informática seja mais desenvolvida ou difundida na área da
deficiência visual, vislumbramos outras possibilidades de aplicação
no caso de deficiências física, sensorial e/ou mental, incapacidade
motora, disfunções na área da linguagem etc. neste sentido,
identificamos
a existência de projetos e iniciativas que apresentam soluções, de baixo
custo e de fácil construção, com a finalidade de responder às
necessidades concretas de cada aluno e possibilitar sua interação com
o computador. É o caso, por exemplo, de adaptações de hardware ou
softwares especiais de acessibilidade com simuladores de teclado e
de mouse, com varredura que podem ser baixados gratuitamente via
Internet: (www.lagares.org)
O custo relativo à produção e aquisição de ferramentas,
equipamentos, aparelhos e materiais auxiliares é sempre problemático
no que se refere à realidade brasileira, pois não existe atribuição
obrigatória de ajudas técnicas. O que se observa é a concessão de
órteses e próteses, em pequena escala, de uma forma anárquica e
insuficiente para atender à demanda de uma população economicamente
desfavorecida.
Até que ponto o Estado deve doar, financiar ou facilitar a aquisição
de equipamentos? Em caso afirmativo, quem deverá fazer a prescrição?
Quem e em que condições deverá financiá-las?
3. MATERIAL PEDAGÓGICO
Um dos aspectos focalizados foi o da qualidade e natureza do material
didático a ser utilizado pelas crianças em idade escolar.
O formato digital não se mostra como o ideal porque
não oferece dispositivos suficientemente pequenos e autônomos para
que uma criança possa brincar com ele no chão ou transportar de um
lugar para outro. Esta problemática pode ser melhor compreendida a
partir da iniciativa da Espanha que optou pela criação do Centro Estatal
de Autonomía Personal y Ayudas Técnicas (CEAPAT) no qual há um
catálogo de ajudas técnicas que reúne os materiais de formação e de
recreação projetados para pessoas com deficiência.
(CEAPAT: http://www.ceapat.org/catalogo/)
encontramos alguns exemplos de produção de material pedagógico com
recursos simples e de softwares disponíveis gratuitamente
na Internet para acesso ao computador, além de outras finalidades. é o
caso, por exemplo, do CD-ROM Kit Acesso, produzido em Portugal, na
Universidade de Trás-os-Montes - UTAD/CERTIC - que apresenta uma
coletânea de 42 programas nas áreas de acessibilidade, apoios educativos
e comunicação aumentativa, cuja versão está disponível em:
http://www.acessibilidade.net/at/kit/
outros exemplos de adaptações simples e do uso de
tecnologias assistivas aplicadas à educação de crianças com déficit
cognitivo, limitações sensoriais e motoras constam do Programa
de "Informática na Educação Especial", mantido por uma instituição
especializada de Salvador/Bahia:
http://infoesp.vila.bol.com.br
nesta perspectiva, destacam-se os softwares simuladores de teclado,
de mouse e os softwares para a construção de pranchas de comunicação
alternativa. Alguns deles podem ser baixados gratuitamente pela
Internet, como é o caso do "Teclado Amigo" disponível em:
(www.saci.org.br/?modulo=akemi¶metro=3847)
e do softwares para construção de pranchas de comunicação "Plaphoons":
(www.lagares.org)
A criação desses softwares e de dispositivos de adaptação decorrem das
necessidades específicas de diversos alunos que não conseguem utilizar
o mouse, nem o teclado ou o microfone, se estes não forem modificados
ou adaptados. Um clique no botão esquerdo do mouse pode ser uma tarefa
difícil ou impossível para alunos com alterações anatômicas em seus
membros superiores ou com limitações motoras que impeçam a execução
dessa tarefa. Apresentamos, a seguir, uma breve descrição de adaptação
simples do mouse.
3.1 Alunos Cegos e com baixa visão
(...) Mesmo estudando em escola para pessoas com deficiência visual,
minha turma de pré-escolar tinha peculiaridades que mereciam trabalhos
bastante diferenciados com cada aluno . (...) O que me chama a atenção
é a maestria com que minha professora conduzia a turma, administrando
as diferenças e respeitando a peculiaridade de cada aluno. (...)
Minha professora formulava exercícios que estimulavam o resíduo visual
para os meus colegas e me estimulava o tato e a coordenação motora
mediante atividades de desenho com giz de cera em papel liso, que
pode ser percebido ao toque. Além disso, eu fazia atividades de
percepção utilizando linhas braille, em um livro que ensinava, através
dessas linhas, a noção de princípio, meio e fim, bem como linhas com
falhas no meio, para que eu as encontrasse, etc.
(...) cheguei ao vestibular com um conhecimento muito ruim sobre a
construção e interpretação de gráficos, tabelas, esquemas e estruturas
no caso da química orgânica. O despreparo só não foi maior porque algumas
luzes brilharam no meu caminho, como a da minha professora de química
do segundo ano do ensino médio, e meus professores de física de
cursinho pré-vestibular, que tiveram paciência e dedicaram seu tempo
para me ensinar a interpretar os gráficos representativos de movimentos
e da parte de eletricidade, bem como a parte referente a ótica. Foi
com o professor fazendo desenhos numa folha de papel apoiada sobre uma
borracha macia que me fez aprender sobre o comportamento dos espelhos.
Tudo isso com desenhos fáceis de compreender e que foram perfeitamente
assimiláveis ao tato.
3.3 BRAILLE MÓVEL
No princípio de minha aprendizagem, ainda em casa, quanto valeram para
mim, aquelas sementinhas de paquevira, que me permitiram construir o
alfabeto em pontos ampliados facilitando a aprendizagem das letras
braille.
A escassês de material no Instituto de Cegos há 40 anos, me fez utilizar
até coquinhos, menores do que um ovo, para mostrar a célula braille a
alunos iniciantes. Assim, Eles aprendiam rápido os pontos braille.
Anos depois, montamos uma régua braille com 10 celas, contendo cada uma
6 furos correspondentes aos pontos braille. Pinos de alumínio
representavam os pontos. Foi assim que construímos o Braille Móvel,
que tem facilitado a aprendizagem.
São elementos importantes na educação do aluno surdo:
- falar de forma clara, espontânea e em tom normal para o
aluno surdo, pois desta forma o estudante não perderia o campo visual
de fala do orador;
- atentar para alternativas diferenciadas no estabelecimento
da comunicação, tais como: valorizar a expressão facial e corporal,
articular corretamente as palavras, usar vocabulário compreensível
(para a maioria dos alunos surdos que têm dificuldades na língua
portuguesa) bem como materiais e recursos visuais variados (mapas,
gráficos, tabelas, legenda, etc.), exigir intérprete de LIBRAS
(Língua Brasileira de Sinais) se assim se fizer necessário e solicitado
etc;
- escrever de maneira visível, legível e de fácil
localização no quadro-negro ou fixar em murais recados e avisos sobre
trabalhos, provas, aulas práticas, laboratoriais, mudanças de horários
de atividades programadas;
- deixar à disposição material para fotocopiar ou indicar
referências bibliográficas completas (livro, autor e editora);
- cuidar quanto à verificação e preferência de legendas,
nas programações com vídeo;
- materiais e equipamentos específicos: prótese auditiva,
treinadores de fala, softwares específicos, etc;
- observar se o espaço físico apresenta dificuldades
como: muita luminosidade com reflexão solar ou pouca luminosidade,
excesso de barulho externo e/ou interno ao ambiente, salas e/ou
auditórios muito amplos, interferindo com a inflexão do próprio som
da fala do professor, distância entre o púlpito do professor
e os alunos, etc.
4. RECOMENDAÇÕES E CONSIDERAÇÕES GERAIS
A acessibilidade das plataformas de formação online, isto é, as
ferramentas utilizadas para o chamado "e-learning" ou aprendizagem
elettrônica tem importância capital para a educação inclusiva. As
plataformas de educação online incluem sistemas de correio eletrônico,
fóruns de discussão, criação de páginas Web, distribuição de conteúdos
multimedias e de todas as ferramentas necessárias para criar ambientes
colaborativos. Os investimentos destinados aos projetos dessa natureza,
no entanto, não levam em conta o acesso igualitário, tendo em vista as
necessidades específicas das pessoas com deficiência. Por isso, as
universidades, sobretudo, as públicas deveriam implantar ou desenvolver
plataformas que permitam uma educação inclusiva.
O investimento em programas de formação dos educadores para a apropiação
e o uso destas ferramentas é igualmente oportuno e recomendável.
Entretanto, não basta criar uma plataforma acessível, sendo
necessário que os profissionais encarregados de alimentar seu conteúdo
saibam remover barreiras de acessibilidade em relação à diversidade dos
usuários. Neste sentido, o uso das tecnologias de informação deve
considerar as necessidades de todos os possíveis usuários, inclusive as
pessoas com deficiência, os idosos, os usuários de conexão lenta ou
com equipamentos informáticos antiquados ou modernos. Além disso, estas
plataformas devem ser utilizadas de forma apropriada e explorar ao
máximo suas possibilidades para não se limitar à mera transposição de
uma aula tradicional.
Como assegurar a formação/qualificação dos usuários destas tecnologias
e dos profissionais que com eles trabalham? para isso, torna-se
necessário criar mecanismos de difusão, apoio e valorização de estudos,
pesquisas e produções nesse setor. Muitos protótipos eficientes,
criados e desenvolvidos com recursos de alunos e professores, poderiam
tornar-se produtos com algum incentivo e investimento. Por exemplo, uma
cadeira de rodas motorizada comandada oralmente foi projetada por uma
equipe de alunos da escola técnica de São José-SC. Trabalhos dessa
natureza poderiam ser reconhecidos como áreas ou subáreas de
conhecimento, a partir de critérios estabelecidos pelo ministério da Educação.
nesta perspectiva, uma das proposições apresentadas foi a da
instituição de incentivos ou de premiações patrocinadas por órgãos
públicos ou privados, com o objetivo de atrair a atenção de estudantes
de escolas técnicas e de cursos de graduação na área tecnológica.
neste sentido, considerou-se a possibilidade de estabelecimento de
parcerias entre agências de formação eentidades representativas de
pessoas com deficiência para que os usuários possam determinar a
viabilidade e a qualidade dos produtos.
Além disso, recomendou-se a criação de grupos ou equipes regionalizadas,
vinculadas às Secretarias de Educação, com o objetivo de manter e
fomentar pesquisas e atualização de dados sobre tecnologias assistivas,
a partir de recursos da região. Esta equipe seria responsável pelo
trabalho de assessoramento e suporte, nesta área, junto à comunidade
escolar.
Outra preocupação expressa diz respeito aos mecanismos de difusão e
produção de tecnologias assistivas. neste sentido, considerou-se a
pertinência de uma das proposições da Declaração de Salamanca:
"Auxílios técnicos podem ser oferecidos de modo mais econômico e
efetivo se eles forem providos a partir de uma associação central em
cada localidade, aonde haja know-how que possibilite a conjugação de
necessidades individuais e assegure a manutenção". (Salamanca - 1994)
Foram consideradas, também, as proposições contidas no documento
elaborado pelo Comitê Executivo do Governo Eletrônico
(http://www.governoeletronico.gov.br/)
durante a Oficina Para a Inclusão Digital que ocorreu em Brasília,
em maio de 2001.
Uma das proposições do referido documento é a criação, no âmbito do
Ministério de Ciência e Tecnologia, de um Instituto Nacional de
Tecnologia Assistiva ou um Centro Nacional de Ajudas Técnicas - CNAT
para Inclusão Digital. O CNAT será responsável pela promoção e o
financiamento de pesquisa e desenvolvimento de programa, equipamento e
dispositivos de ajudas técnicas necessárias à inclusão digital de
pessoas com necessidades especiais.
5. CONCLUSÃO
A partir das informações, dos depoimentos e dados compilados neste
relatório, explicitamos as múltiplas dimensões das tecnologias
assistivas, concebidas como todo e qualquer recurso ou alternativa de
resolução de problemas funcionais. Esta concepção está referenciada no
reconhecimento e na valorização das potencialidades humanas, em
contraposição à lógica de um modelo de intervenção centrado nas
deficiências, restrições e incapacidades.
percebemos o dinamismo, a adaptabilidade e a capacidade criativa do
ser humano que inventa e reinventa modos e meios de agir, interagir,
desempenhar funções e atuar em contextos diversos e desafiadores.
Procuramos remover barreiras de acessibilidade, detectar os
problemas e encaminhar as soluções. Exercitamos a cooperação, o
compartilhamento de idéias e o respeito à diferença. Os relatos de
experiência , os exemplos de superação de limites e deampliação de
possibilidades são reveladores de uma trajetória de obstáculos,
conquistas e desafios que visam transformar a escola e construir uma
sociedade para todos. Elizabet Dias de Sá --######82195169171814194108--
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