POR QUE NOSSOS FILHOS VÃO À ESCOLA? Cláudia Werneck
Aceitemos a dificuldade que nós, pais, temos ao buscar respostas sinceras para esta
indagação. Algo que fuja de clichês do tipo: “é para estudar”, “ter uma profissão”,
“entrar na faculdade”. Tudo isso pode ser verdade. Mas qual o maior estímulo que
nos impulsiona, ano após ano, a organizar a rotina e o orçamento do lar em função
dos horários e das necessidades da vida escolar de nossa prole? O que desejamos
acima de tudo é que nossos filhos... sejam felizes!
A escola precisa ser a grande cúmplice dos pais na concretização deste ideal. Mas
cuidado! Levar seu menino ou sua menina TODO dia ao colégio talvez seja um
desperdício. Estarão as instituições onde nossos jovens estudam preparando-os
para um exercício-cidadão da felicidade? O que eles aprendem ou desaprendem na
escola? Podem estar se exercitando na sutil arte de discriminar.
Instituições de ensino devem ser terreno fértil para o exercício-cidadão da
felicidade. Exercício que é vivência diária inspirada no direito que TODA pessoa
tem, desde pequena, de conhecer a humanidade como ela é (e não como a
sociedade gostaria que fosse). Escola, para ser escola, deve ser “local de encontro
universal de gerações”, assim atestam a maioria dos documentos nacionais e
internacionais de educação.
Universal significa que TODOS os alunos, dos mais aos menos dotados psíquica,
intelectual, sensória, fisica ou orgânicamente estão contemplados no conceito.
Caberia à escola, portanto, bem mais do que apoiar-se nos louros do conteúdo, dar
conta de sua fundamental missão: ser o local onde as gerações se encontram, se
entendem e se reconhecem como parte de um TODO humano e social indivisível,
desenvolvendo juntos a técnica, a intuição, a flexibilidade e a arte de formar, entre
si, parcerias indispensáveis para o futuro da nação. Nesse modelo de escola,
chamada de inclusiva, as dificuldades e as limitações (reais, temporárias ou não)
de cada estudante, funcionariam como estímulo para o enfrentamento dos desafios
da vida comunitária, que com certeza transcendem os limites do ensinamento que
as salas de aula, hoje, mal proporcionam aos alunos.
E como o conceito de escola inclusiva se relaciona com a busca da felicidade?
Neste modelo organizacional de ensino a criança vai sendo estimulada a se
desenvolver naturalmente cúmplice pela qualidade de vida do amigo da carteira ao
lado, por mais diferente que ele seja ou que apenas lhe pareça ser. Ponto para o
exercício-cidadão da felicidade. Imaginemos que futuro promissor TODO
estudante terá! Profissionais legitimamente preparados para levar, às últimas
conseqüências, discussões envolvendo solidariedade, ética e direitos humanos.
Tudo porque a eles foi dado o direito de conhecer as pessoas como elas realmente
são: com talentos e limitações, quaisquer talentos e quaisquer limitações.
Crianças educadas em escolas aptas a contemplar as necessidades de TODOS os
alunos conseguirão estancar a secular produção em série da fábrica de cidadãos-
pela-metade. Repito: a nós, adultos-pela-metade, foi negado o direito de conhecer a
humanidade como ela é. Continuamos crendo que as deficiências e as doenças
crônicas são um problema das famílias e não assunto de interesse público, e não
uma questão do TODOS da sociedade brasileira. Nós, cidadãos-pela-metade, ainda
minimizamos o papel da escola, insistindo que nela devem caber apenas alguns
estereótipos de alunos.
A fábrica de cidadãos-pela-metade precisa fechar. De seus escombros criaremos a
escola inclusiva do Brasil. Para isso, será necessário que a sociedade colabore e se
articule para formar alianças estratégicas entre TODOS os modelos de escola,
públicas e privadas. Mesmo aqueles modelos que a princípio parecem antagônicos
têm um paradigma em comum: formar cidadãos brasileiros mais éticos do que
somos hoje. Profissionais, políticos, legisladores e governantes capacitados, desde
a infância, no respeito às especificidades que caracterizam a diversidade humana.
Isso inclui estar atento a TODAS as necessidades de TODAS as condições
humanas, e não apenas de QUASE TODAS as condições humanas. Neste
contexto, tanto a escola regular quanto a escola especial são farsas, porque ambas
reproduzem em seus ambientes a humanidade de maneira anômala. Estudantes
comuns de um lado. Estudantes com comprometimentos mais visíveis do outro. É
assim que nascemos? Segregados, rotulados, divididos em tipos de pessoas?
Por isso, falar de inclusão social é pouco, pouquíssimo. Vamos incluir, sim, no
reino animal, no ramo vertebrados, na classe mamíferos, no gênero Homo, da
sapiens espécie. A nossa. À nossa! Claudia Werneck/jornalista e escritora, autora do livro "Sociedade Inclusiva. Quem cabe no seu TODOS?"
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