cronicas de Minha Autoria.


Os Cegos e Os Anos de Chumbo

Era uma segunda-feira de maio, em fins da década de 70, quando o Instituto Bejamim Constant foi sacudido pela noticia: - Na próxima quarta-feira, vai tomar posse o novo diretor, um general do exército que é linha dura e vem para botar ordem na casa. Aqueles eram anos de chumbo e nós, alunos da época, aguardamos com expectativa e apreensão o inuzitado evento. Ao chegar o dia da posse, o general assumiu o posto, prometendo muito trabalho e fêz uma ode à diciplina e à hierarquia. Imaginem que o novo diretor, um general de infantaria - neófito em educacao de cegos - passou a ser conhecido entre os funcionários, professores e alunos como "o coronel" e jamais entendi porque revaixaram o homem. êle, porém, não adimitia ser chamado de general e muito menos de coronel. Exigia que nós o tratássemos de Dr. Nilton. Como era de se esperar, o coronel, que na verdade era general, o DR Nilton, exigia rigor e disciplina no Colégio. Os alunos só poderiam se dirigir ao refeitorio e ao dormitório, disciplinadamente, em uma irretocável fila indiana. Os cabelos tinham que ser cortados bem baixos e as roupas deviam se conservar sempre impecáveis. As professoras e funcionárias eram proíbidas de usar calças compridas no colégio. Durante as aulas, era comum, ele surgir repentinamente à porta e ecoar um sonoro e carrancudo "bom dia". Se fosse aula de inglês, passava a tropa em revista, os alunos ficavam de pé e liam a lição para ele que fazia um comentario e depois se retirava. O austero diretor dividia seu tempo entre o gabinete e as rondas pelo educandario. Às vezes, quando estávamos conversando em grupo, ouviamos de repente, um "bom diiia!" ou "boa taaarde!" Pegos de surpresa, esqueciámos de nos levantar e o "homem da caserna" nos brindava com um eloqüente sermão, exaltando o respeito à hierarquia. Aos domingos e no aniversario do colégio, costumava ter baile. Um dia, o coronel chegou de mansinho, observou, proibiu aquelas músicas lentas, com as quais os cegos dançavam agarradinhos e ameaçou, da próxima vez, acabar com os esperados bailes. Como eu era tímido e diciplinado, passei a gozar de certa simpatia do coronel, que ficou meu amigo, quando soube que quatro de meus irmãos eram militares. Certa vez, quando eu descansava no dormitório, alguém se aproximou e começou a puxar levemente o meu dedão do pé, Como detesto que me toquem sem se identificar, dei um safanão e gritei: - Para com isto seu bundão! Neste momento, meu finado amigo Nilo que era ambíople disse com ar severo: - Epa, Valdenito! É o diretor! A alta patente do exército sorriu sem graça, deu-me um leve cascudo e se retirou. Fiquei sem ação. No ano seguinte, fui o único aluno que ganhou uma bolsa de estudos e, assim, o colégio passou a ser, para mim, apenas dormitório e refeitório. A biblioteca do Instituto era meu principal "habitat" e nela consegui para ledor um brigadeiro reformado da aeronáutica, amigo de longa data do coronel, o que aumentou meu prestígio com ele. O brigadeiro era um homem de idade avançada, neurótico de guerra e casado com uma mulher quarenta anos mais nova do que ele. Ela tinha um filho adolescente e o marido insistia em educá-lo no melhor estilo do regime militar. Nestes encontros na biblioteca, Acabei por me tornar uma espécie de divã do veterano brigadeiro que, antes de iniciar a leitura, costumava narrar suas desventuras com o rebelde henrique e sua arredia esposa. Geralmente, quando estavámos lendo, o general chegava e as duas patentes trocavam continência e ignoravam minha presença. Batiam um longo papo sobre as forÇas armadas, o governo militar, as recordacoes da vida de caserna, as táticas de guerra etc. Os dois eram radicalmente contra a tímida sinalizacao do governo para uma suposta abertura política. Naquele tempo, eu era politicamente inocente, embora já tivesse uma tendência para a dita esquerda e aqueles diálogos serviram para despertar em mim a consciência crítica em relação ao momento que vivíamos. O tempo corria, findava a década de 70 e o coronel/general, continuava sua missão de ddiciplinar e moralizar o tradicional educandario. Mas, nós, os bolsistas, desfrutávamos de certas regalias, pois podíamos chegar e sair a qualquer hora e nao usávamos o uniforme do colégio. Contudo, não escapávamos da rigorosa vigilância do diretor que aparecia inesperadamente em qualquer das instalações do Instituto. Havia, no Instituto, um companheiro que adorava curtir as noites cariocas com seu violao sempre a tira-colo e ele costumava dormir até tarde. Não raro, o coronel entrava abruptamente pelo dormitório e flagrava o menestreu do casarão da Praia Vermelha, nos braços de Morfeu, a sonhar com mulheres, malandros, cervejas, acordes e harmonias. Ao se aproximar de sua cama, o sisudo diretor, cuspia marimbondos e improvisava um dissonante sermão: - Acorda, Fulano! Você não está em sua casa. Aqui é um educandário. Repetia o batido discurso, uma invariável apologia da disciplina militar, O menestreu, que se tornou um festejado cronista de nossa tribuna virtual, acordava sobressaltado e mal conseguia balbuciar um protesto, sem muita convicção, o que era prontamente rechassado pelo general rebaixado pelos cegos. Ao artista, restava-lhe apenas levantar-se, arrumar a cama e ir para o banheiro cabisbaixo, ouvindo os últimos acordes do refrão, tão seu conhecido. Outras vezes, o menestreu aparecia no refeitório, trajando bermudas e chinelos, quando surgia o implacável coronel: - Fulano! Da próxima vez que você descer para "ranchar" dessa forma, vou retirá-lo do recinto e você vai ficar sem o "rancho". Um dia, na biblioteca, o general se aproximou , abraçou-me emocionado e disse que acabara sua missao junto aos cegos. E eu, não sei por quê, ..., senti pena dele. Valdenito de Souza (Rio de Janeiro, Junho de 1998


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