LITERATURA DE CORDEL.


CORDEL INFANTIL

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''Meu Deus! Por que ainda não fiz um cordel infantil?''

Raimundo Santa Helena resolve investir na formação de novos leitores

Santa Helena vende seus poemas de cordel na Feira de São Cristóvão

Depois de Patativa do Assaré, Raimundo Santa Helena é um dos nomes mais celebrados do cordel. Além de seus 430 livretos de poesia de cordel publicados em diversas línguas, ele é um dos fundadores da Feira de São Cristóvão. Não são poucas suas contribuições para a história da literatura de cordel. Foi o primeiro a lançar, em 1979, o cordel urbano, uma guinada nesse gênero de poesia, que antes apoiava-se no tripé: seca, cangaço e Padre Cícero. Agora, pela segunda vez, Santa Helena pretende ser pioneiro: lança o cordel infantil. Publicado pela Editora Entrelinhas, O menino que viajou num cometa (30 páginas, R$ 8) é uma delicada preciosidade para as crianças. A trajetória pessoal de Raimundo Luiz do Nascimento, nascido na cidade de Santa Helena, não é apagada pelo percurso da carreira. Filho de nordestino morto por Lampião, Santa Helena saiu de casa aos 11 anos, ''com canivete na mão'', para vingar a morte do pai. Foi menino de rua, engraxate, baleiro, trocador de ônibus, garçom, jornaleiro. Não parou por aí. Com trabalho de dia e estudo de noite, entrou para a Escola de Aprendizes de Marinheiro, no Ceará. Também foi um condecorado combatente na Segunda Guerra e estudou mais de um ano e meio nos Estados Unidos. Hoje, vive tranqüilamente no Rio de Janeiro com sua esposa e filha, formada em Letras pela UFRJ. Mas é como cordelista que Raimundo Santa Helena, de 77 anos, faz história. O ''poeta marujo'' conta antes a história da poesia de cordel para explicar como chegou ao universo infantil: - A primeira fase do cordel no Brasil começa quando ele chegou aqui, com os portugueses, há 100 anos. Entrou pelos portões da Paraíba, do jeito mesmo que existe até hoje, vendido em livrinhos pendurados no cordel. A segunda fase, que começou por volta de 1979, foi o momento em que o cordel ficou ''de vela na mão'', como ele explica. Em todos os países que existia, foi sufocado pela grande imprensa. Para evitar que morresse, promoveu-se um congresso internacional, na Bahia. - A gente queria criar um jeitinho brasileiro de salvar o cordel - comenta. No final de 1979, o próprio Santa Helena revigorou e atualizou esta forma de poesia, inaugurando uma terceira fase, ao lançar o cordel urbano, com tema ecológico inspirado em uma reportagem do Jornal do Brasil . - Quando ninguém pensava em falar de ecologia, o JB já fazia reportagens contra a devastação da Amazônia. Foi publicado que os italianos tinham destruído milhões de árvores no Brasil - conta o cordelista sobre sua fonte de inspiração para o Devastar o Brasil?... Aqui pra vocês! . Ele fala que pegou recortes do jornal para colocar as letras na capa do livro: - E a imprensa que antes sufocava o cordel, passou a alimentá-lo. Hoje em todo o mundo existe cordel com temas urbanos. E a inovação da vez é o cordel infantil, já considerado pelos pesquisadores como a quarta fase desta poesia. Santa Helena fala que teve a primeira idéia em 1984: - Após uma palestra que dei, as crianças vinham com folhas de papel para eu autografar. E eu pensava naquelas crianças que queriam meu autógrafo só pra ter um papel com meu nome. E eu pensei: ''Meu Deus, porque ainda não fiz um cordel infantil.'' Depois de pronto, ele conta que mostrou os originais datilografados a Carlos Drummond de Andrade. É costume que os cordéis só tenham como ilustração uma xilogravura: a da capa. Mas Drummond aconselhou Santa Helena a publicar o livro com uma xilogravura por página. Sugeriu que não fossem usados desenhos de livros infantis e sim as imagens talhadas em madeira, como manda a tradição. Mas ainda não foi desta vez que o cordel saiu. Um ano depois, quando o cordelista lançava Nicarágua em dez línguas , com poesia contra a invasão americana, voltou a lembrar do cordel para as crianças. - Uma menina de seus 4 anos se soltou da mão do pai, passou por debaixo das pernas do povo, chegou perto de mim e perguntou: ''Quem é você?'' Aí eu me abaixei, porque eu não falo com criança em pé, e fui falar com ela. Naquele dia eu pensei: ''Meu Deus, porque ainda não lancei aquele cordel?'' Apesar da vontade, o cordelista não podia arcar com os custos das várias xilogravuras que pretendia colocar no livro. Em 1987, uma pesquisadora da Fundação Nacional do Livro Infantil chegou a pedir uma cópia do cordel, que desde então faz parte do acervo da instituição. Mas o lançamento só foi possível quando a Editora Entrelinhas se prontificou a publicá-lo. As 29 xilogravuras são de Erilvaldo, ''um jovem de 38 anos'', segundo Santa Helena considerado um dos melhores do Brasil. E com o livrinho, a criança ganha um CD e um estojo com lápis coloridos. A história de O menino que viajou num cometa cita personagens históricos, como Joana D'Arc ou Tiradentes, e fala de saúde, de astronomia e da igualdade entre homem e mulher. Mas independente do seu caráter didático, traz uma divertida história de Brasilenho, menino que pega uma carona celeste e como ''anjo foguete'' chega à Lua. No livro, o poeta também faz um apelo à paz: ''Pra que se fechem feridas/ De velhos ressentimentos/ Pra que se rasguem caminhos/ De novos conhecimentos!/ Pra que seja cada mão/ Um elo de multidão/ Nos desertos poeirentos.'' O livro foi lançado na Bienal, no estande da Entrelinhas, onde dois repentistas contavam a história do livrinho de Santa Helena, mas também cantavam repentes para as crianças.

[ JB- 07/JUN/2003] ***


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