ENTREVISTAS.


O LIVREIRO RUI CAMPOS

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''Só grandes tiragens podem garantir livro mais barato''

Dono da rede de livrarias da Travessa, Rui Campos revela política de preços

Rui Campos abriu contas do mercado para mostrar quanto ganham sobre preço de capa pequenas livrarias e grandes cadeias

Rui Campos é hoje um dos personagens mais populares da vida cultural carioca. Livreiro das antigas, foi dono das livrarias Muro e Dazibao, ícones dos anos 70/80. Hoje domina o mercado livreiro independente com as várias Travessas que pontuam o mapa cultural do Rio de Janeiro. Nesta entrevista, publicada originalmente no Portal Literal (www.literal.com.br), Rui analisa os problemas e as perspectivas comerciais das livrarias independentes frente o monopólio das grandes cadeiras e do mercado virtual de livros. ''O que dá ao livro um preço competitivo é a tiragem. Na medida em que você enxuga os pontos de distribuição, que as pequenas livrarias desaparecem, você reduz a possibilidade de fazer uma grande tiragem, o que, obviamente, aumenta o preço do livro'', adverte. Rui alerta ainda para outro problema: ''Nas grandes cadeias, livros de pequenas editoras não são nem aceitos. O perigo é o mercado virar a indústria do best-seller , em que os livros de venda lenta, de autores mais sofisticados, não encontrem mais espaço. A preservação das pequenas livrarias não tem como objetivo preservar o livreiro, como se fosse um mico-leão dourado, mas sim a pluralidade, da diversidade de títulos, de características, de idéias, de pequenos editores.'' - Nesse mercado selvagem e globalizado, o personagem livreiro ainda encontra seu lugar? Dizem mesmo que o livreiro é uma categoria em extinção. - Não concordo. Os velhos livreiros, os verdadeiros, estão aí a pleno vapor. O Rio de Janeiro é a cidade que tem as livrarias mais interessantes e diversificadas. São Paulo, por exemplo, tem todo um potencial econômico e excelentes livrarias, como a Cultura, mas o Rio é mais cultural. - Você falou dos livreiros que ainda existem no Rio. Quem são? - Tem a velha guarda, que é fantástica. A dona Vanna, da Leonardo da Vinci, o seu Alberto Matias, da Padrão, que é uma verdadeira enciclopédia. E ainda o pessoal da Argumento, a Laurinha Gasparian, o Marcos. A Letras e Expressões, com as características que tem, isto é, uma livraria que veio de uma banca de jornal, tem o Emílio Bruno. Eles são eficientes para vender revistas e também para a parte dos livros. Tem também a Kiki, da Timbre, a Claudinha e a dona Iaci, da Malasartes, apaixonadas pelo que fazem. E, na Dantes, tem a Ana Paula. São pequenas livrarias, mas que têm a identidade do livreiro. - Nós temos, no Brasil, alguma política específica de apoio às pequenas e médias livrarias? - Não se fala nisso. Apenas toda a venda de livros está isenta de ICMS, o que melhora o desempenho do mercado. O livro é um produto muito peculiar, que pode ficar 20 anos, ou mais, na estante de uma livraria, não tem prazo de validade. Na Travessa do Centro, tenho livros que estão lá há 16 anos, a idade da loja. Isto é um erro? Não, não é. O livro é um investimento complicado. Vinte por cento da produção de livros sustentam os outros 80%. Uma livraria existe se consegue vender, trabalhar bem com esses 20%, que são os livros de venda rápida. São livros que, quando você vai pagar a duplicata da editora, já recebeu o dinheiro. Os outros 80% são os que, quando você paga a duplicata, o título ainda está na estante. Por isso, o mercado de livros não pode estar sujeito à livre concorrência. Nas grandes operações de megalivrarias, de vendas em supermercados ou de venda direta em bancas, eles trabalham com esses 20% que vendem muito. Não têm livros em estoque. Então, se você tirar das livrarias esses 20% que vendem rápido, como elas vão pagar os 80%? Precisamos dessas vendas para sustentar o todo. - Mas obter livros mais baratos é o sonho do público consumidor de livros. - Só que essa é uma falsa ilusão. O que dá ao livro um preço competitivo é a tiragem. Na medida em que você enxuga os pontos de distribuição, que as livrarias desaparecem, você reduz a possibilidade de fazer uma grande tiragem, o que, obviamente, aumenta o preço do livro. O mesmo acontece com as cadeias de livrarias: a venda para a Travessa é com 45% sobre o preço de capa, já para uma Siciliano passa para 55%. Se você vivesse só de vender livros para a Siciliano, o preço dos livros não poderia ser o mesmo. Com a Siciliano, uma editora troca dinheiro. Ela só tem lucro vendendo para Argumento, Da Vinci, Travessa, Padrão, por conta da percentagem menor que estas livrarias cobram. Nas grandes cadeias, livros de pequenas editoras não são nem aceitos. O perigo é o mercado virar a indústria do best-seller , em que os livros de venda lenta, de autores mais sofisticados, não encontrem mais espaço. A preservação das pequenas livrarias não tem como objetivo preservar o livreiro, como se fosse um mico-leão dourado, mas sim a pluralidade, a diversidade de títulos, de características, de idéias, de pequenos editores. - No Brasil não existe nenhum instrumento de regulamentação? - Existe uma ética do próprio mercado, que até 20 anos atrás estava intocada. O editor calcula: gastei tanto de papel, de direitos autorais, disso e daquilo. Para eu ficar com tanto, o livro tem que custar R$ 20. E todas as livrarias pegavam o livro e vendiam por este preço. Mas, de um tempo para cá, encontramos atuações assim: a Siciliano aperta o editor e diz: ''Em vez dos 40% que você dá para o livreiro comum, eu vou querer 60%.'' O editor terá que aumentar o preço do livro. Hoje, o grande problema no Brasil é a Fnac. A Fnac vende a preços salgados material fotográfico, aparelho de som, computador e outras coisas, mas vende todos os livros em lançamento com 20% de desconto. Não temos controle nem legislação para enfrentar essa situação. As restrições, as imposições que a Fnac tem na França e em quase toda a Europa não existem no Brasil. - E a venda pela internet? - A internet precisava se lançar no mercado e os livros foram usados como isca. Eles começaram vendendo mais barato, no prejuízo, para que pudessem criar um cadastro de clientes. A internet não conseguiu sustentar os preços iniciais. Outro dia eu vi o Paul Krugman, economista, dizendo que as livrarias virtuais contrariam o mais sagrado dos princípios que formaram a nação americana - o livreiro, na esquina, vende o livro e paga imposto, enquanto a livraria virtual paga um terço do imposto, porque tem anistia fiscal. As livrarias virtuais americanas, além de serem subsidiadas pelo governo americano, são também subsidiadas pelo governo brasileiro. A história é simples. Você entra no site da Amazon para pedir um livro. Está lá, custa tanto, mais tanto de frete, você dá o número do seu cartão de crédito, é debitado e o livro chega na porta da sua casa. Você não paga imposto, nem passa pela alfândega. Em contrapartida, se a Livraria da Travessa resolve importar um livro, o que acontece? Ele chega na alfândega, eu vou lá, vai ser feita uma guia de importação, vou pagar diversos tipos de impostos: armazenagem, taxa sindical, frete e o livro encarece 20%. - A Secretaria do Livro está se reestruturando. Qual deveria ser seu papel? - O aumento de pontos de distribuição tem que ser uma coisa sólida, não uma aventura de banquinha na praça. É preciso criar condições para que as livrarias apareçam. O que mais poderia propiciar isto seria fazer com que os milhões gastos pelo governo brasileiro com a compra de livros passassem pelo mercado livreiro. Hoje, a compra do governo é feita diretamente com as editoras, de forma até escorchante, porque eles acham que, quanto mais barato, melhor. Então, o governo compra direto das editoras, que entregam diretamente às escolas, ficando o mercado livreiro completamente alijado. As bibliotecas não costumam comprar e, quando compram, é direto com as editoras. A Câmara Brasileira do Livro tinha um estudo de projeção econômica mostrando que, se metade dessas compras do governo fossem feitas na rede de livrarias brasileiras, em cinco anos essa rede teria seu tamanho quintuplicado. [JB -12/ABR/2003] ***


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