POESIAS DE DIVERSOS AUTORES |
Se estou só, quero não estar, Se não estou, quero estar só, Enfim, quero
sempre estar Da maneira que não estou.
Ser feliz é ser aquele E aquele não é feliz, Porque pensa dentro dele E
não dentro do que eu quis.
A gente faz o que quer Daquilo que não é nada, Mas falha se o não fizer,
Fica perdido na estrada.
Fernando Pessoa
Oh, mar salgado quanto do teu sal sao lagrimas de Portugal Por te
cruzarmos, quantas maes choraram! quantos filhos em vao rezaram!
quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, oó mar Valeu a
pena? Tudo vale a pena, se a alma nao é pequena! Quem quer passar além
do bojador Tem que passar alem da dor Deus ao mar o perigo e o abismo
deu mas, nele é que espelhou o céu
Mapa de anatomia - CECÍLIA MEIRELES
Mapa de Anatomia: O Olho
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
parece cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas,
naufrágios e peixes de ouro.
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são inventadas.
E às vezes, sejam atores, sejam
cenas,
e às vezes, sejam imagens,
sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas.
Deve chamar-se tristeza - F. Pessoa
Um dia você aprende que... - W. Shakspeare
Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não
fossem Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as
outras, Ridículas. As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas.
Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que
são Ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso
Cartas de amor Ridículas. A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas
cartas de amor É que são Ridículas. (Todas as palavras esdrúxulas, Como
Luis Fernando Veríssimo. *O Estado de S. Paulo*, 29/9/96.
Mãe eu tô com fome
eu dizia eu gritava eu mugia
minha vó zangada respondia
você não está morrendo e nem tem fome
Você tem é apetite
Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê vai comer.
Fome não! A fome, minha neta,
a fome, meu irmão,
a fome, minha criança,
é um apetite sem esperança.
Quando há certeza de cereais, toalhas americanas,
guardanapos e alegrias da coca-colândia
não há fome de verdade.
Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil.
Minha vó nem viu edifício crescer no lugar de pão
no lugar de trigo
nem viu criança com infância de semáforo
vendendo mariola barata, criança que mata
porque seu quintal tá sempre no vermelho
criança cujo ralado de joelho
dói menos do que o não morar, não existir, não contar
com a fome tenaz
Não há tenaz na escola
há só a cola de cheirar a dor doída
de um monstro estômago a roncar
um animal doído dentro do corpo a uivar
todo dia, sem boa vista, sem quinta zoológica onde morar
Com a fome das crianças brasileiras
forra-se a mesa, arma-se o banquete
dos que sempre tiveram apenas apetite.
A faminta criança foi apenas o álibi, o cardápio, o convite.
Desmamada ela cresce procurando o peito da pátria amada
uma banana, uma manga, uma feijoada
e a mãe pátria diz nada.
Tem ela apenas o horror, o descalor, a calçada
um ódio a todos os tênis dos meninos nutridos
um ódio a mochilas, a saudáveis barrigas
com contínuo furor de assaltar os relógios
um deter o tempo que é o seu verdadeiro balão
um cai-cai balão que só cai à mão armada.
A fome gera a cilada de uma pátria de não irmãos.
A gente podia ter gripe, asma, catapora, bronquite
A gente podia ter apetite mas fome não.
Minha vó bem que dizia sem errança:
fome é um apetite sem esperança.
Elisa Lucinda
(Escrito especialmente para a Campanha Ação da Cidadania Contra a Miséria e
Pela Vida/
Betinho / 93. Encenado pela Cia. Teatral do Movimento sob a direção de Ana
Kfouri)
Epitáfio para o Século XX - Affonso Romano de Sant'ana
Affonso Romano de Sant'Anna. _Epitáfio para o século XX e outros poemas.
Carlos Drummond de Andrade.
- Millôr Fernandes
Refeição Matinal
Almoço
Sobremesa
Jantar
Sobremesa
Ao Deitar
Poema para o Dia das Mães - JOSEPH GUIARONI
Mãe, eu volto a te ver na antiga sala,
Onde uma noite te deixei sem fala,
Dizendo adeus, como quem vai morrer.
E me viste sumir pela neblina,
Porque a sina das mães é esta sina:
Amar, cuidar, criar, depois perder.
Perder o filho, é como achar a morte!
Perder o filho quando, grande e forte,
Já podia ampará-la e compensá-la;
Mas neste instante uma mulher bonita,
Sorrindo, o rouba e a velha mãe, aflita,
Ainda se volta para abençoá-la.
Assim parti, e nos abençoaste.
Fui esquecer o bem que me ensinaste,
Fui para o mundo me deseducar.
E tu ficaste, no silêncio frio,
Olhando o leito que eu deixei vazio,
Cantando uma cantiga de ninar.
Hoje volto, coberto de poeira,
E te encontro quietinha na cadeira,
A cabeça pendida sobre o peito...
Quero beijar-te a fronte e não me atrevo.
Quero acordar-te, mas não sei se devo...
Sinto que não me cabe este direito;
O direito de dar-te este desgosto
De te mostrar, nas rugas do meu rosto,
Toda a miséria que me aconteceu,
Quando ouvires, na expressão horrível
Da minha máscara irreconhecível,
Minha voz rouca murmurar: sou eu!
Eu bebi na taberna dos cretinos,
Eu brandi o punhal dos assassinos,
Eu andei pelos braços dos canalhas,
Eu fui jogral em todas as comédias,
Eu fui vilão em todas as tragédias,
Eu fui covarde em todas as batalhas!
Eu te esqueci. As mães são esquecidas.
Vivi a vida, vivi muitas vidas
E só agora, quando chego ao fim
Traído pela última esperança,
E só agora, quando a dor me alcança,
Lembro quem nunca se esqueceu de mim.
Não! devo voltar, ser esquecido...
Mas, que foi? de repente ouço um ruído...
A cadeira rangeu, é tarde agora!
Minha mãe se levanta, abrindo os braços
E, me envolvendo num milhão de abraços,
Rendendo graças, diz: meu filho! e chora!
E chora, e chora e treme e fala e ri,
E parece que DEUS entrou aqui,
Em vez do último dos condenados.
E o seu pranto, rolando em minha face,
Quase é como se o céu me perdoasse
E me limpasse de todos os pecados.
Mãe, nos teus braços eu me transfiguro;
Lembro que fui criança, que fui puro!
Sim! tenho mãe! e esta ventura é tanta,
Que eu compreendo o que significa:
O filho é pobre, mas a mãe é rica;
O filho é homem, mas a mãe é santa!
Santa que eu fiz envelhecer sofrendo
Mas que me beija, como agradecendo
Toda dor que, por mim, lhe foi causada.
Dos mundos onde andei, nada te trouxe;
Mas tu me olhas num olhar tão doce
Que, nada tendo, não te falta nada.
Dia das mães é o dia da bondade,
Maior que todo o mal da humanidade,
Purificada num amor fecundo!
Por mais que o homem seja um sêr mesquinho,
Enquanto a mãe cantar junto a um bercinho,
Cantará a esperança para o mundo.
- Fernando Pessoa -
Millôr Fernandes. "Trinta anos de mim mesmo".
- Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos -
Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-se escravizado.
Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.
Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor antes não desse.
Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
Tu és força nêurica somente
movimentando células de argila
lama de sangue e cal que se aniquila
nos abismos do nada eternamente;
és mais, és muito mais, és a cintila
do céu, alma de luz resplandescente
que um mistério implacável e imclemente
amortalhou na carne atra e intranqüila.
Apesar das verdades fisiológicas
reflexas das ações psicológicas,
nas células prímervas da existência
és um ser imortal e responsável
que têns a liberdade incontestável
e as lições da verdade na consciência.
- Augusto dos Anjos -
ODE AO AMOR
Enches o peito de cada homem, medras
Nalma de cada virgem, e toda a alma
Enches de beijos de infinita calma...
E o aroma dos teus beijos infinitos
Entra na terra, bate nos granitos
E quebra as rochas e arrebenta as pedras!
És soberano! Sangras e torturas!
Ora, tangendo tiorbas em volatas,
Cantas a Vida que sangrando matas,
Ora, davas brandindo em seva e insana
Fúria, lembras, Amor, a soberana
Imagem pétrea das montanhas duras.
Beijam-te o passo multidões escravas
Dos Desgraçados! - Estas multidões
Sonham pátrias doiradas de ilusões
Entre os tórculos negros da Desgraça
- Flores que tombam quando a neve passa
No turbilhão das avalanches bravas!
Tudo dominas! Dos vergéis tranqüilos
Aos Capitólios, e dos Capitólios
Aos claros pulcros e brilhantes sólios
De esplendor pulcro e de fulgências claras,
Rendilhados de fulvas gemas raras
E pontilhados de crisoberilos.
Sobes ao monte onde o edelweiss pompeia
Nalma do que subiu àquele monte!
Mas, vezes, desces ao segredo insonte
Do mar profundo onde a sereia canta
E onde a Alcíone trêmula se espanta
Ouvindo a gusla crebra da sereia!
Rompe a manha. Sinos além bimbalham.
Troa o conúbio dos amores velhos
- As borboletas e os escaravelhos
Beijam-se no ar. . . Retroa o sino. E, quietos
Beijam-se além os silfos e os insetos
Sob a esteira dos campos que se orvalham.
E em tudo estruge a tua dúlia - dúlia
Que na fibra mais forte e até na fibra
Mais tênue, chora e se lamenta e vibra...
E em cada peito onde um Ocaso chora
Levanta a cruz da redenção da Aurora
Como a Judite a redimir Betúlia!
Bem haja, pois, esse poder terrível,
- Essa dominação aterradora
- Enorme força regeneradora
Que faz dos homens um leão que dorme
E do Amor faz uma potência enorme
Que vela sobre os homens, impassível!
Esta de amor ode queixosa, Irene,
Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem, quando
Entre estrias de estrelas, fosforeando,
Egrégia estavas no teu plaustro egrégio
Mais bela do que a Virgem de Corrégio
E os quadros divinais de Guido Reni!
Qual um crente em asiático pagode,
Entre timbales e anafis estrídulos,
Cativo, beija os áureos pés dos ídolos,
Assim, Irene, eis-me de ti cativo!
Cativaste-me, Irene, e eis o motivo,
Eis o motivo porque fiz esta ode.
- Augusto dos Anjos -
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o rio de minha aldeia
"O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,/
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia/
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia".
fernando pessoa
De minha aldeia vejo o quanto da terra se pode ver do universo.
Por isso a minha aldeia e tao grande como outra terra qualquer.
Porque sou do tamanho do que vejo,
e nao do tamanho da minha altura
Fernando Pessoa
Se estou só, quero não estar - F. Pessoa
Se estou só, quero não estar
Fernando Pessoa
CECÍLIA MEIRELES
O Olho é uma espécie de globo,
Mas por dentro há outras pinturas,
O Olho é um teatro por dentro.
Deve chamar-se tristeza
- Fernando Pessoa -
Deve chamar-se tristeza
Isto que não sei que seja
Que me inquieta sem surpresa
Saudade que não deseja.
Sim, tristeza - mas aquela
Que nasce de conhecer
Que ao longe está uma estrela
E ao perto está não a Ter.
Seja o que for, é o que tenho.
Tudo mais é tudo só.
E eu deixo ir o pó que apanho
De entre as mãos ricas de pó.
"Um dia Você Aprende que..."
"Depois de algum tempo você
aprende a diferença, a sutil diferença,
entre dar a mão e acorrentar uma alma.
E você aprende que amar não
significa apoiar-se, e que companhia
nem sempre significa segurança.
E começa a aprender que beijos
não são contratos e presentes não
são promessas.
E começa a aceitar suas
derrotas com a cabeça erguida e olhos
adiante, com a graça de um adulto e não com
a tristeza de uma criança.
E aprende a construir todas as
suas estradas no hoje, porque o
terreno do amanhã é incerto demais para os
planos, e o futuro tem o
costume de cair em meio ao vão.
Depois de um tempo você aprende
que o sol queima se ficar exposto
por muito tempo.
E aprende que não importa o
quanto você se importe, algumas pessoas
simplesmente não se importam...E aceita que
não importa quão boa seja uma
pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e
você precisa perdoá-la, por isso.
Aprende que falar pode aliviar
dores emocionais.
Descobre que se leva anos para se
construir confiança e apenas
segundos para destrui-la, e que você pode
fazer coisas em um instante, das
quais se arrependerá pelo resto da vida.
Aprende que verdadeiras amizades
continuam a crescer mesmo a
longas distâncias.
E o que importa não é o que você
tem na vida, mas quem você é na vida.
E que bons amigos são a família
que nos permitiram escolher.
Aprende que não temos que mudar de
amigos se compreendemos que os amigos mudam,
percebe que seu melhor amigo e você podem
fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons
momentos juntos.
Descobre que as pessoas com quem
você mais se importa na vida são
tomadas de você muito depressa, por isso
sempre devemos deixar as pessoas
que amamos com palavras amorosas, pode ser a
última vez que as vejamos.
Aprende que as circunstâncias e os
ambientes tem influência sobre
nós, mas nós somos responsáveis por nós
mesmos.
Começa a aprender que não se deve
comparar com os outros, mas com o
melhor que você mesmo pode ser.
Descobre que se leva muito tempo para
se tornar a pessoa que quer
ser, e que o tempo é curto.
Aprende que não importa onde já
chegou, mas onde está indo, mas se
você não sabe para onde está indo, qualquer
lugar serve.
Aprende que, ou você controla seus
atos ou eles o controlarão, e
que ser flexível não significa ser fraco ou
não ter personalidade, pois não
importa quão delicada e frágil seja uma
situação, sempre existem dois lados.
Aprende que heróis são pessoas que
fizeram o que era necessário
fazer, enfrentando as conseqüências.
Aprende que paciência requer muita
prática.
Descobre que algumas vezes a pessoa
que você espera que o chute
quando você cai é uma das poucas que o ajudam
a levantar-se.
Aprende que maturidade tem mais a
ver com os tipos de experiência
que se teve e o que você aprendeu com elas
do que com quantos aniversários você celebrou.
Aprende que há mais dos seus pais em
você do que você supunha.
Aprende que nunca se deve dizer a uma
criança que sonhos são
bobagens, poucas coisas são tão humilhantes
e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso.
Aprende que quando está com raiva tem
o direito de estar com raiva,
mas isso não lhe dá o direito de ser cruel.
Descobre que só porque alguém não o ama
do jeito que você quer que ame,
não significa que esse alguém não o ama, pois
existem pessoas que nos amam,
mas simplesmente não sabem como demonstrar
isso.
Aprende que nem sempre é suficiente ser
perdoado por alguém,
algumas vezes você tem que aprender a
perdoar-se a si mesmo.
Aprende que com a mesma severidade com
que julga, você será em algum
momento condenado.
Aprende que não importa em quantos
pedaços seu coração foi
partido, o mundo não pára para que você o
conserte.
Aprende que o tempo não é algo que
possa voltar para trás.
Portanto,plante seu jardim e decore sua
alma, ao invés de esperar
que alguém lhe traga flores.
E você aprende que realmente pode
suportar... que realmente é
forte, e que pode ir muito mais longe depois
de pensar que não se pode mais.
E que realmente a vida tem valor e que
você tem valor diante da
vida!
Nossas dúvidas são traidoras e nos
fazem perder o bem que
poderíamos conquistar, se não fosse o medo de
tentar."
William Shakespeare
Soneto da fidelidade - Vinícius de Moraes
Soneto da Fidelidade
Vinícius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Todas as cartas de amor são ridículas - Álvaro de Campos
Todas as cartas de amor são ridículas
os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.) Álvaro de
Campos, 21-10-1935.
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O Sol doira
Sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa ...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças ...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca ...
A invenção do O - Luis Fernando Veríssimo
A INVENÇÃO DO "O"
Na Era da Pedra Lascada
da linguagem falada
antes de inventarem a letra
que imitava a lua cheia
as palavras significavam nada
e a Terra era parada
-- pau, piche, laje, areia.
Nada se mexia
era uma pasmaria
e ninguém dizia a que vinha
nem dizia a que ia.
A frase ficava estática
de maneira majestática
e grandes falas presumíveis
permaneciam indizíveis
-- eram imagens invisíveis
a distâncias invencíveis
apenas adivinhadas
e jamais articuladas.
Vivia-se em cavernas mentais
numa inércia dramática.
Transitar, nem pensar.
Ninguém mudava de lugar
que dirá de sintática.
Aí inventaram o "O"
e foi algo portentoso.
Assombroooso, maravilhoooso.
Tudo começou a rolar
e a se movimentar.
Palavras viraram pontes,
e o Homem ganhou "horizontes"
e viajou aos montes
montado na nova vogal.
E hoje existe a convicção
que sem a sua invenção
não haveria Civilização
ou qualquer noção de moral.
Um dia, como o raio inaugural
sobre o primeiro pantanal,
aquele que deu vida a tudo,
veio o acento agudo.
E então começou a História
e o Homem pôde, afinal
com todas as letras,
cantar vitória.
(Depois, é verdade
ficaram retóricos
e até um pouco gongóricos.
Mas isso, tenham dó,
não é culpa do "ó".)
Apetite sem esperança - Elisa Lucinda
Apetite sem esperança
EPITÁFIO PARA O SÉCULO XX
Aqui jaz um século onde houve duas ou três guerras mundiais e milhares de
outras pequenas e igualmente bestiais.
Aqui jaz um século onde se acreditou que estar à esquerda ou à direita
eram questões centrais.
Aqui jaz um século que quase se esvaiu na nuvem atômica. Salvaram-no o
acaso e os pacifistas com sua homeopática atitude - _nux-vômica.
Aqui jaz o século que um muro dividiu. Um século de concreto armado,
canceroso, drogado, empestado, que enfim sobreviveu às bactérias que pariu.
Aqui jaz um século que se abismou com as estrelas nas telas e que o
suicídio de supernovas contemplou. Um século filmado que o vento levou.
Aqui jaz um século semiótico e despótico, que se pensou dialético e foi
patético e aidético. Um século que decretou a morte de Deus, a morte da
história, a morte do homem, em que se pisou na Lua e se morreu de fome.
Aqui jaz um século que opondo classe a classe quase se desclassificou.
Século cheio de anátemas e antenas, sibérias e gestapos e ideológicas
safenas; século tecnicolor que tudo transplantou e o branco, do negro, a
custo aproximou.
Aqui jaz um século que se deitou no divã. Século narciso & esquizo, que
não pôde computar seus neologismos. Século vanguardista, marxista,
guerrilheiro, terrorista, freudiano, proustiano, joyciano, borges-kafkiano.
Século de utopias e hippies que caberiam num chip.
Aqui jaz um século que se chamou moderno e olhando presunçoso o passado e
o futuro julgou-se eterno; século que de si fez tanto alarde e, no entanto,
- já vai tarde.
Foi duro atravessá-lo. Muitas vezes morri, outras quis regressar ao 18 ou
16, pular ao 21, sair daqui para o lugar nenhum.
Tende piedade de nós, ó vós que em outros tempos nos julgais da
confortável galáxia em que irônicos estais. Tende piedade de nós - modernos
medievais - tende piedade como Villon e Brecht por minha voz de novo
imploram. Piedade dos que viveram neste século _per seculae seculorum.
Eu, etiqueta - Carlos D. de Andrade
Eu, etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça até o bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordem de uso, abuso, reincidência,
costume, hábiot, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homemanúncio intinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocála por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos de mercado.
Com que inocência demitome de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mimmesmo,
ser pensante, sentinte e solitário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar, ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou vê lá anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas indiossicrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco de roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
asio de estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, me recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo dos outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem,
meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.
A Coisa
Tinha cabeça de ponte
Cabelo de relógio
Testa de ferro
Cara-metade
Ouvidos de mercador.
Um olho d'água
Outro da rua
Pestana de violão
Pupilas do Sr. Reitor
Nariz de cera
Boca de siri
Vários dentes de alho
E um de coelho
Língua de trapo
Barba-de-milho
E costeletas de porco.
Tinha garganta de montanha
Um seio da pátria
Outro da sociedade
Braços de mar
Cotovelos de estrada
Uma mão-de-obra
Outra mão boba
Palmas de coqueiros
Dois dedos de prosa
Um do destino
E unha de fome.
Tinha corpo de delito
Tronco de árvore
Algumas juntas comerciais
E outras de bois.
Barriga de revisão
Umbigo de laranja
Cintura de vespa
Costas d'África
Pernas de mesa
Canela em pó
Um pé-de-moleque
Outro de vento
E plantas de arquitetura.
COMO A COISA SE VESTIA
A Coisa usava
Carapuça de política
Lentes de Medicina
Camisa de onze varas
Com colarinho de chope
Fraldas de montanha
Punhos de campeão
E botões de rosa
Tinha gravata de "jiu-jitsu"
Um terno olhar
De pano do rosto
Com uma manga espada
E outra manganão
Tinha um capote de bisca
Usava anéis de Saturno
Luvas de contrato
"Shorts" cinematográficos
De fazenda agrícola
Bota-fora
Com saltos das sete quedas
E cordão carnavalesco
Usava liga metropolitana
Uma meia-lua
Outra meia-noite
Além do que se penteava
Com um pente de balas
E se envolvia toda
Num lençol d'água.
O MOVIMENTO DA COISA
Tinha porte de armas
Ares da serra
Tic de relógio
Movimento revolucionário
Andar de edifício
Animação cinematográfica
Passo de montanha
Ação judicial
Cadência musical
Marcha carnavalesca
Corrida de aço
Parada militar
Dava saltos de sapato
Soco no sereno
Pontapé na lua
Pulos do nove
E dançava na corda bamba
A dança de São Guido.
A AUTÓPSIA DA COISA
Tinha espírito de porco
Cérebro mecânico
E miolo de pão
Coração materno
Maus bofes
Estomago forrado
Bacia do Amazonas
Tripas de Judas
Nervos de aço
Sangue de barata
Artérias da cidade
E ossos do ofício.
O CARDÁPIO DA COISA
Xá da Pérsia
Café concerto
Leite de colônia
Pão nosso de cada dia
Manteiga derretida
Maçã do rosto
Ovo de Colombo
Sal da terra.
Arraia miúda
Pés-de-galinha
Pastéis tipográficos
Brotinhos (cozidos em fogo-fátuo)
Suco pancreático.
Cremes de Elizabeth Arden
Bolos da Polícia Especial
Doces momentos.
Entrada de cinema
Frango de futebol
Carne de minha carne
Peru de jogo
Batata da perna
Língua de perguntador
Gato por lebre
Uma ova
Água forte.
Suspiros de amor
Balas Dum-Dum
Laranja da China.
Chá de sumiço
Fumo da Arrogância.
ONDE A COISA MORAVA
A Coisa morava
Numa casa-forte
Construída com paredes de grevistas
Onde o diabo perdeu as botas.
Tinha um quarto crescente
(Com um leito de rio)
E vários de hora.
Na Copa do Mundo
Havia uma cortina de ferro
E outras de fumaça.
O chão era de tacos de bilhar.
E o teto tinha uma telha de menos.
Uma mesa redonda
Uma cadeira elétrica
E várias dos quadris.
A casa era iluminada por velas de navio
Tinha um toca-discos voadores
E era adornada com telas de arame
Um espelho de virtudes
Vários vasos de guerra
E um vaso de sangue
Com a flor dos anos.
Texto extraído do livro " Tempo e Contratempo ", Edições O
Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, pág.13.
POEMA PARA O DIA DAS MÃES
JOSEPH GUIARONI
O Amor
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar prá ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente
Cala: parece esquecer
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Prá saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
Poesia Matemática - Millor Fernandes
POESIA MATEMÁTICA
Às folhas tantas
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo otogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela à dela
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?" indagou ele
Com ânsia radical.
"Eu sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs --
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas senoidais
Nos jardins da Quarta Dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar
Mais que um lar,
Uma Perpendicular.
Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos.
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos
Viciosos
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era espúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.
Soneto a quatro mãos - V. de Moraes e Paulo M. Campos
SONETO A QUATRO MÃOS
Ao homem
(Poema extraído do livro "Parnaso de Além Túmulo", psicografado por
Chico)
Ode ao Amor - Augusto dos Anjos
O Guardador de Rebanhos (fragmento) - F. Pessoa
O quardador de rebanhos
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem duvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridiculo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as arvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oracao e uma missa,
e uma comunhao com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as arvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e arvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e arvores e montes,
Se ele me aparece como sendo arvores e montes
E luar e sol e flores;
é que ele quer que eu o conheça
Como arvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si proprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e ve,
E chamo-lhe luar e sol e flores e arvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora."
- Fernando Pessoa -
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