MÁRIO PRATA



                    A barguilha


   Abertura dianteira das bragas; portinhola. Abertura dianteira de
qualquer calça, calção, ceroula, etc. É o que o Aurélio me diz. Mas aí
já fica a dúvida. O que seriam as bragas? "Calção, geralmente curto e
                    largo, que se usava outrora."


  Para começar, acho a palavra braguilha uma das mais feias da nossa
inculta e bela flor do Lácio. Pronuncie em voz alta para você sentir.
                           Gaguejou, não é?


 Quer matar um alemão, é pedir para ele falar esta palavra. Braguilha consegue ser mais feia do que torrão, garrastazu ou barbalho (barbalho é
    um objeto que se assemelha a uma raiz, prossegue o Aurélio).


 Pois bem. E o que é que a braguilha tem a ver com a calça? É que eu
 comprei uma calça esta semana e não tinha braguilha. Mas eu só vim a
   perceber isso na hora que eu precisei da braguilha. Ou seja, no
banheiro de um restaurante, naquele momento de aflição, em que a ação
tem que ser rápida e rasteira. Não tinha. Achei que tinha colocado a
                      calça de trás pra frente.


    Levei a mão atrás, nada. Na dúvida, na aflição, num verdadeiro desespero, apenas eu, ali, eu e a calça sem braguilha. O resto você pode
imaginar. Tive que sair pela porta dos fundos e ficar acenando para o meu filho pela janela. E ele perguntava pelo vidro? Braguilha? E fazia
              aquele gesto italiano com as mãos: maquê?


 Se essa geração não sabe o que é braguilha, acho que é por isso que
         resolveram fazer essa calça ensopada sem braguilha.


   Braguilha é o seguinte: um dia, na Antiguidade, depois de vários
 séculos fazendo xixi nas bragas ("Xixi nas Bragas" parece título de
livro do meu saudoso e imortal Mário Palmério), os nossos ancestrais
    resolveram fazer uma fenda por ali para facilitar o acesso ao
livre-arbítrio. Resolveu um problema, mas surgiu outro. Aquilo ficava
 aberto e, vez ou outra, o arbítrio colocava a cabeça para fora. Foi
quando - mais ou menos no século 4.º - inventaram o botão. Pronto, a
                     braguilha estava inventada.


Até que em 1893, um americano (tinha que ser um americano, né Mateus?) chamado W.L. Judson, inventou o zíper. Mas demorou muito até alguém ter
    a infeliz idéia de colocar o zíper na calça. Sou do tempo das
braguilhas de botão. Eram uns cinco ou seis. E caíam. Invariavelmente
caíam um ou dois e a coisa ficava naquele estado. Sem contar uns que eram maiorzinhos e a gente mesmo arrancava para jogar futebol de botão.
                Eram ótimos ponta-esquerdas, marrons.


  Mas quando o zíper chegou à braguilha, ainda não eram zíperes (eta
    pluralzinho besta) como os de hoje. Bons. Aquilo era quase uma
ferramenta ali perto do que tanto idolatramos. Era um ferro, quase um
cinto de castidade. E emperrava. No meio de uma festa, na banheiro da casa da amiga, aquele troço preso pela metade. Isso, quando não pegava
                         um pelinho e puxava.


                         Aquilo doía muito.


Mas a melhor história que eu conheço de braguilha com zíper aconteceu
com um amigo meu, lá pelos anos 60. Eu tenho certeza que você não vai
  acreditar, mas é vero. Tanto é, que deu até casamento e hoje ele
continua casado com a mesma moça (moça, naquele tempo) e já tem dois
                                netos.


Foi assim. Naquele tempo não tinha motel. Principalmente no interior.
Quem tinha o carro do pai se virada nos amassos, no que hoje chamam de
   ficar, dentro do fusquinha mesmo. Era complicado, mas dava. Os
pedestres (eu disse pedestres) ficavam mesmo era no portão das casas,
                fazendo o que fosse possível. Em pé.


 E foi numa dessas que o meu amigo e a namorada, ali, no escurinho da
Rua Luís Gama, abaixaram o zíper das braguilhas das calças farwest e estavam naquela coisa. Mão na mão, mão naquilo, aquilo na mão e quando
partiram para o aquilo naquilo, os dois zíperes também resolveram se unir. Isso. Um zíper pregou no outro. E não dava para tirar. Nem aquilo
daquilo, nem o zíper do zíper. E o pai da moça já tossindo lá dentro, que era o aviso que o namorico tinha acabado e amanhã tinha aula e olha
                              a friagem.


E os dois ali. Unidos. Não dava nem para desabraçar. Quanto mais mãos tentavam desenroscar aquilo, pior ficava. Os dois suavam, a tosse do pai
 aumentava. A solução seria tirar as duas calças, ali, em plena Luís Gama, a rua do cinema. Foi quando acabou a sessão e a multidão começou
    a passar pelo dois abraçadinhos, cumprimentos envergonhados.

E foi também quando o pai saiu para fora e verificou que os dois haviam
             virado um, no sagrado sacramento do zíper.


                        - Foi o zíper, tio...


   Como se dizia naquele tempo, "casaram na marra". Ela, grávida.


                       E não é que deu certo?


E, se eu disser que a primeira filha deles se chama zíperina, você não
                      vai acreditar mesmo, né?


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