Martha Medeiros - Sacanagem |
- Martha Medeiros
Esta é a semana dos namorados, mas não vou falar sobre ursinhos de pelúcia nem sobre bombons. É o momento ideal pra falar de sacanagem.
Se dei a impressão de que o assunto será ménages à trois, sexo selvagem e práticas perversas, sinto muito desiludí-lo. Pretendo, sim, é falar das sacanagens que fizeram com a gente.
Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece
uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não
é racionado nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma
laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra
metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida
merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos
falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa
companhia, é só mais rápido.
Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um", duas
pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava. Não
nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com
personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos
fora de hora devem ser reprimidos. Fizeram a gente acreditar que os
bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas,
que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um
chinelo velho para um pé torto. Ninguém nos disse que chinelos velhos
também têm seu valor, já que não nos machucam, e que existe mais cabeças
tortas do que pés.
Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma
para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não
nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são
alienantes, e que poderíamos tentar outras alternativas menos
convencionais.
Sexo não é sacanagem. Sexo é uma coisa natural, simples - só é ruim
quando feito sem vontade. Sacanagem é outra coisa. É nos condicionarem a
um amor cheio de regras e princípios, sem ter o direito à leveza e ao
prazer que nos proporcionam as coisas escolhidas por nós mesmos.
Segunda, 9/6/2003