Rio, 27 de novembro de 2001

Luis Fernando Verissimo

Para sempre ocê eu não sei, mas o meu plano é viver para sempre. Reconheço que o sucesso do plano não depende só de mim, mas tenho feito a minha parte. Cortei o pudim de laranja, dirijo com cuidado, procuro não provocar impulsos assassinos nos leitores além do necessário para me manter honesto, não vôo de ultraleve e não assovio para mulher de delegado. Está certo, o único exercício físico que faço é soprar o saxofone, e assim mesmo não todas as notas, mas acho que estou contribuindo razoavelmente para a minha própria eternidade. E sempre que leio sobre experiências como essa da célula-mãe com a qual, um dia, construirão artérias novas para a gente por encomenda, fico reconfortado: a ciência também está fazendo a sua parte no meu plano. Já calculei que se conseguir agüentar por mais 65 anos, poderei ser refeito em laboratório dos pés à cabeça. Incluindo o tecido erétil. Onde será que a gente se inscreve? A vida eterna nos trará problemas, no entanto, e não vamos nem falar no pesadelo que será para os sistemas previdenciários. A finitude sempre foi uma angústia humana, mas também um consolo, pois nos desobriga de entender a razão da existência. A idéia religiosa da vida depois da morte é duplamente atraente porque nos dá a eternidade sem a perplexidade, já que é difícil imaginar que as indagações metafísicas continuarão do outro lado. Lá, estaremos na presença do Pai, reintegrados numa situação familiar de idílica inocência, definida como a desnecessidade de maiores explicações. Não teremos de especular sobre como tudo isto vai acabar porque tudo isto nunca vai acabar. Já na eternidade sem precisar morrer a angústia da finitude é substituída pela angústia da incompreensão infinita. Estaremos nesta ridícula bola magnética, com nossos tecidos renovados, olhando para as estrelas e perguntando como e por que — para sempre. Não interessa. Vou batalhar por mais 65. Quem nos assegura que neurônios desenvolvidos em laboratório não virão com todas as respostas?


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