Vamos nos organizar


As pessoas se reúnem em clubes e associações para não serem solitárias nos seus interesses e problemas, ou nas suas manias, mas muitas se resignam à sua singularidade, achando que ninguém mais pode ser como elas. Eu, por exemplo, acreditava que era a única pessoa no mundo que tinha horror a salsinha. Como a salsinha – aquelas coisinhas verdes que vêm nos pratos para enfeite, pois não têm gosto de nada, ou quando têm deixam tudo com o seu gosto – é uma convenção internacional, usada em todas as cozinhas, e se sobreviveu tanto tempo é porque obviamente nunca teve oposição, pensei que era um salsófobo só. Pois descobri uma alma gêmea. O Roberto D’Avila também é contra a salsinha. Com dois já se pode pensar num movimento, embora talvez seja cedo para uma insurreição. Deve haver outros como nós, que nunca entenderam a salsinha ou são visceralmente contra, e que ainda não se manifestaram para não parecerem excêntricos, ou por ignorarem que a sua luta é a de muitos. Manifestem-se. Mandem cartas (para o Roberto). Vamos nos organizar!

Na outra noite eu perdi o sono, como acontece muito, e fiquei pensando: deveria existir uma sociedade dos insones. Como os alcoólatras anônimos, ou grupos que se apóiam mutuamente para perder peso ou deixar de fumar, os insoniosos se reuniriam no meio da noite para se ajudarem a dormir com palestras ou encantações ou, se isto falhasse, trocarem receitas de soníferos ou simplesmente se fazerem companhia até o amanhecer, quando então se dispersariam. Organizado, o movimento dos sem-sono poderia endossar livros chatos (“Altamente recomendado, você não passará da página 27”), dar notas para bares, restaurantes e serviços abertos toda a noite e financiar pesquisas médicas sobre a insônia e o desenvolvimento de produtos só para insones, como lâmpadas para leitura que não incomodem a companheira, ou o companheiro, de cama.

Vou tratar da fundação do MSS. Se encontrar gente que tem insônia e não gosta de salsinha, melhor. Já teremos assunto para várias reuniões.




- Luis Fernando Veríssimo - 08/11/2000 - Zero Hora


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