O mordomo aproximou-se da cadeira onde Pal Snifski parecia dormitar, no
jardim da sua mansão de Cap d'Antibes, e anunciou:
- Um senhor Delacroix para vê-lo.
- Sim. Eu já o havia cheirado.
Era espantoso que entre todos os aromas de um jardim na Côte, Pal
Snifski tivesse identificado o do amigo e ex-patrão antes mesmo de ele
desembarcar da Mercedes. Mas Pal Snifski não era chamado de "O Nariz"
por nada. Recebeu Delacroix com uma palavra.
- Não.
- Mas Pal, eu ainda não falei.
- Sei o que você vai dizer. Vai me pedir para voltar. Meu substituto na
Maison Delacroix é um incompetente. Desde que eu saí, nunca mais a
Maison lançou um perfume de sucesso. Vocês querem meu nariz de volta,
pois só ele pode guiar a sutil alquimia que resultou em obras-primas da
Delacroix como "Ravage", "Sans Pitié" e "Mange Moi". Mas onde meu nariz
vai eu vou atrás, meu caro, e eu não estou disposto a interromper esta
minha aposentadoria entre flores, nem por um milhão de dólares.
- E por um milhão e um?
- Aceito. Conversaremos durante o almoço.
À mesa, Pal Snifski perguntou:
- Acertei? Meu substituto é um incompetente.
- Pelo contrário, competentíssimo. Não enganou a todos com grande
eficiência. Fugiu com a nossa fórmula mais valiosa, a que perseguimos há
anos.
- Você quer dizer...
- Sim, o sonho de todo perfumista. "Le Parfum Terminal". Aquela
essência que atinge o objetivo de todos os perfumes do mundo desde o
primeiro, feito na Mesopotâmia: a sedução irresistível. Aliás, nós o
chamaríamos de "L'Irresistible".
- Quase. Combinamos todos os ingredientes certos, na proporção exata.
Aliás, em grande parte graças ao seu trabalho. Tínhamos a receita de um
perfume quase irresistível. Flatov descobriu o quase. Viajou por meio
mundo e finalmente encontrou o que procurava. O cheiro da sedução
irrecusável. O que qualquer perfumista trocaria pela sua mãe ou o
equivalente em dinheiro.
- Flatov?
- Seu substituto. Ele decidiu que, em vez de completar nossa fórmula
com o ingrediente que descobrira, ganharia mais colocando-a em leilão
entre nossos concorrentes.
- Vocês querem que eu siga a pista de Flatov e o convença a desistir da
traição à Maison Delacroix.
- Não. Ele já foi convencido.
- Como?
- Um acidente. Nossos representantes pediram educadamente para ele
voltar atrás, ele relutou a eles o jogaram ao chão. Desgraçadamente,
estavam na última plataforma da Torre Eiffel.
- Isso não foi um pouco precipitado?
- Ele teve 300 metros para mudar de idéia. Não mudou. O diabo é que não
encontramos a fórmula. Nem no seu bolso, nem na sua casa, nem no cofre
do seu banco, que arrombamos esta manhã. Só sabemos o último país em
que ele esteve, na sua busca pelo ingrediente final. E uma palavra, que
ele deixou rabiscado em sua agenda de viagem.
- Qual é o país?
- O Brasil.
- E a palavra?
- Maracutaia.
- Você quer que eu...
- Vá ao Brasil. Fareje por lá. Descubra o que é maracutaia, e se ela é
o que Flatov procurava. Pode ser uma flor. Uma fruta. Uma glândula.
Seja o que for, traga-a com você!
O representante da Maison Delacroix no Brasil recebeu Pal Nifski no
aeroporto do Rio. Tinha ordens para ajudar monsieur Snifski no que fosse
necessário. Não, disse, respondendo a primeira pergunta d' "O Nariz",
ainda no carro que os levaria ao hotel. Maracutaia não era uma flor.
Nem uma fruta. Nem uma glândula brasileira. Era, assim, uma...
- Espere - disse Pal Snifski, com o nariz em pé. - Que cheiro é esse?
- Qual?
- Nunca senti nada parecido. É um cheiro que pervaga pelos outros.
Parece estar por toda parte.
- É a maracutaia.
- Exatamente as palavras de monsieur Flatov.
- Teria sido o ingrediente que ele descobriu, para fazer o perfume
irresistível?
- Só posso dizer que, no Brasil, ninguém resiste à maracutaia.
- Como será que Flatov destilou a essência de maracutaia?
- Não sei. Mas ele ficou muito tempo em Brasília.
- É onde deve haver a maior concentração. Providencie uma passagem para
lá, s'il vous plait.
Dois meses mais tarde, Pal Snifski estava de volta em Paris.
Delacroix o recebeu com festa no escritório da Maison.
- Eu sabia que podia confiar em você, Pal!
- Trouxe algumas ampolas com essência de maracutaia brasileira. O
bastante para reproduzi-la quimicamente. Seu poder de sedução é
realmente inigualável. Ninguém escapa.
- Finalmente, temos a fórmula completa para lançar o perfume dos
perfumes!
- "Temos", Delacroix? Eu tenho. Já ouvi uma proposta muito interessante
da Chanel. Estou curioso para ouvir a sua.
- Mas Pal. Isto é... É uma tramóia! C'est un tramoá!
- Eu sei - suspirou Pal Snifski. - Devo ter ficado muito tempo em
Brasília...
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