Eu e o Latim

Acho que o ministro Weffort tem razão, o Latim deve voltar para o currículo escolar, e eu sou um exemplo vivo de como o Latim contribui para a formação intelectual. Quando a gente passava do primário para o ginasial, como se dizia na minha época de estudante - um pouco depois das Cruzadas - passava de um mundo protegido para outro muito mais desafiador, em que a professora de tudo era substituída por professores de cada matéria, geralmente homens sem qualquer instinto maternal. Entre os terrores que me esperavam na primeira série ginasial o mais assustador era o Latim e, mesmo antes de conhecê-lo, decidi que não nos daríamos bem. Desde o primeiro dia e por todo o ano escolar, minha presença nas aulas de Latim limitou-se ao nome no livro de chamada. Enquanto meu nome ecoava, sem resposta, na sala, eu descia o morro no topo do qual ficava o glorioso Instituto Porto Alegre e ia assistir aos treinos matinais dos cavalos no Jockey. Resultado: em vez das declinações aprendi a observar os cavalos, tornei-me um expert em cronometragem, linhagem, handicaps e mutretas de cocheira, comecei a apostar cientificamente e tornei-me um milionário antes dos quinze. Não, bobagem. Não aprendi as declinações mas frequentei um mundo fascinante que de outra maneira não teria conhecido. Nunca apostei em corridas, mas meu enriquecimento cultural foi inegável: nenhum outro garoto da minha idade sabia tanto sobre a forma dos cavalos do Jockey. No fim do ano letivo já estavam tão habituados com a minha presença nas pistas que fui convocado a segurar um balde, já não me lembro mais para o que. Tiveram a suprema deferência de jamais perguntar o que eu fazia ali, em vez de estar na escola. E tudo isto - sem falar no saudável exercício de descer e subir o morro respirando o puro ar da manhã - eu devo ao Latim. No fim do ano, quando me apresentei para o inescapável exame oral, o professor Ruas fez questão de apertar minha mão e dizer “Muito prazer”. Só me conhecia de nome. Tive de repetir o ano, claro. Mas o que o Latim tinha para me dar, já tinha dado. Quem sabe quantas aventuras intelectuais parecidas o Latim instigará, se voltar ao curriculo?

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