Resumo de "O Silmarillion"!


Lançado em 1977, quatro anos após a morte de Tolkien, "O Silmarillion" é o resultado do trabalho de uma vida inteira, mais até do que "O Senhor dos Anéis". O autor começou a escrever as primeiras versões do livro em 1917, e nunca deixou de refinar, ampliar e revisar a narrativa ao longo de sua vida. Ao morrer, Tolkien deixou instruções para que seu filho Christopher pudesse organizar o material mais próximo da versão definitiva e o publicasse.

"O Silmarillion" é a história da Primeira Era, os Dias Antigos do universo tolkieniano. A narrativa, escrita num estilo solene e poderoso, comparável ao da Bíblia, revela ao leitor a origem de elfos e homens, a grande jornada dos Eldar para o Reino Abençoado de Valinor, e o retorno dos Noldor à Terra-média, liderados por Fëanor. Este príncipe dos Eldar, o mais genial artífice dos elfos, havia criado as Silmarils, jóias perfeitas nas quais estava contida parte da luz das Árvores de Valinor. Morgoth, o primeiro Senhor do Escuro, roubou as Silmarils e se refugiou em sua fortaleza de Angband, no norte da Terra-média. Fëanor e seu povo saíram ao encalço de Morgoth e iniciaram uma guerra desesperada contra o Grande Inimigo.

Além do "Quenta Silmarillion" ("A História das Silmarils"), o relato principal que dá nome ao livro, a obra inclui também quatro outros trabalhos menores. O primeiro deles é o "Ainulindalë" ("A Canção dos Ainur"), o mito da criação de Arda, a Terra, onde se revela o papel de Deus na mitologia tolkieniana. A seguir, temos o "Valaquenta" ("Relato dos Valar"), texto que explica a natureza e as atribuições dos Valar, os Poderes Angélicos que regem o mundo, bem como a relação destes com Morgoth, o Inimigo, e seu servo Sauron. O "Akallabêth" ("A Queda de Númenor") relata a origem do reino insular dos Dúnedain, seu esplendor e sua queda, causada pelo orgulho de seus habitantes e pelas mentiras de Sauron. Finalmente, "Dos Anéis do Poder e da Terceira Era" conta como Sauron criou os Anéis num plano para estender seu domínio pela Terra-média e como os Povos Livres, ajudados pelos Istari (os Magos) puderam resistir ao poder do Senhor do Escuro e destruí-lo.

"O Silmarillion" inclui também mapas da Terra-média durante a Primeira Era, quadros genealógicos dos principais personagens, um índice onomástico extremamente detalhado e um apêndice com diversas raízes e elementos das línguas élficas. A versão brasileira do livro foi lançada pela Editora Martins Fontes no final do ano passado.

Aqui em baixo, segue o texto COMPLETO do Ainulindalë


AINULINDALË A Música dos Ainur


Havia Eru, o Único, que em Arda se chama Ilúvatar; ele fez primeiro os Ainur, os Sagrados, que eram filhos do seu pensamento e que estiveram com ele antes de alguma coisa mais ser feita. E falava-lhes, propondo-lhes temas de música; e eles cantavam perante ele, que ficava satisfeito. Mas, durante muito tempo, cantavam só um de cada vez, ou poucos juntos, enquanto os restantes escutavam, pois cada um compreendia apenas aquela parte da mente de Ilúvatar donde proviera e só lentamente ia compreendendo os seus irmãos. No entanto, todas as vezes que escutavam, adquiriam uma compreensão mais profunda, e a sua unissonância e harmonia aumentavam.

E veio a acontecer um dia que Ilúvatar reuniu todos os Ainur e lhes comunicou um tema portentoso, mostrando-lhes coisas maiores e mais maravilhosas do que até então lhes revelara; e a glória do seu começo e o esplendor de seu fim de tal modo maravilharam os Ainur que eles se curvaram diante de Ilúvatar e ficaram silenciosos.

Então, Ilúvatar disse-lhes: "Do tema que vos anunciei quero agora que façais juntos, em harmonia, uma grande música. E, como acendi em vós a chama imperecível, demonstrareis os vossos poderes no adorno deste tema, cada um com os seus próprios pensamentos e engenho, se assim quiser. Mas eu ficarei sentado e escutarei e feliz me sentirei por, através de vós, grande beleza ter despertado num canto."

Então as vozes dos Ainur, traduzidas por harpas e alaúdes, flautas e trompas, violas e órgãos e por incontáveis coros cantando com palavras, começaram a moldar o tema de Ilúvatar numa grande música; e ergueu-se um som de intermináveis e intermutáveis melodias entretecidas em harmonia, um som que, ultrapassando o ouvido, se propagou às profundidades e às alturas, e os lugares de habitação de Ilúvatar encheram-se a transbordar, e a música e o eco da música chegaram ao vazio, que deixou de ser vazio. Jamais desde então fizeram os Ainur qualquer música como essa, embora tenha sido dito que outra ainda mais grandiosa será ouvida perante Ilúvatar pelos coros dos Ainur e pelos filhos de Ilúvatar depois do fim dos dias. Então, os temas de Ilúvatar serão tocados corretamente e assumirão um ser no momento da sua expressão, pois todos compreenderão totalmente a intenção dele na sua parte e cada um terá a compreensão de cada qual, e Ilúvatar, satisfeito, dará aos pensamentos deles o fogo secreto.

Mas, desta vez, Ilúvatar sentou-se a escutar e durante muito tempo achou bem, pois não havia erros na música. Mas à medida que o tema se desenvolvia, entrou no coração de Melkor a vontade de entretecer nele assuntos da sua própria imaginação que não estavam de acordo com o tema de Ilúvatar, pois procurava, assim, aumentar a força e a glória da parte que lhe fora destinada. A Melkor, entre os Ainur, tinham sido dados os maiores dons do poder e conhecimento, e ele compartilhava de todos os dons dos seus irmãos. Fora muitas vezes sozinho aos lugares vazios à procura da flama imperecível, pois crescia, ardente, nele o desejo de dar vida a coisas suas e parecia-lhe que Ilúvatar não pensava no vazio e estava impaciente com esta vacuidade. Contudo, não encontrou o fogo, pois ele estava com Ilúvatar. Mas, sozinho, começara a conceber pensamentos próprios, diversos dos seus irmãos.

Alguns desses pensamentos entreteceu agora na sua música e imediatamente houve dissonância à sua volta; muitos que cantavam perto dele ficaram desanimados, e o seu pensamento foi perturbado e a sua música vacilou; mas alguns começaram a afinar a sua música pela dele em vez de ser pelo pensamento que tinham ao princípio. Então a desafinação de Melkor alastrou ainda mais, e as melodias antes ouvidas soçobraram num mar de turbulento som. Mas Ilúvatar continuou sentado e a ouvir até parecer que à volta do seu trono havia uma tempestade violenta, como de águas escuras que se guerreavam entre si numa fúria infinita, que não se apaziguava.

Então Ilúvatar levantou-se e os Ainur perceberam que sorria; e ergueu sua mão esquerda e um novo tema começou no meio da tormenta, igual ao tema anterior e, todavia, diferente, e ganhou força e nova beleza. Mas a desafinação de Melkor ergueu-se num clamor e contendeu com ele, e houve de novo uma guerra de som mais violenta do que antes, até muitos dos Ainur ficarem assombrados e não cantarem mais e Melkor a ficar com a supremacia. Ilúvatar voltou a levantar-se e os Ainur perceberam que o seu rosto estava severo; levantou a mão direita e - pasmai! - no meio da confusão surgiu um terceiro tema, que era diferente dos outros, pois parecia ao princípio suave e doce, um mero ondular de brandos sons em delicadas melodias, mas não podia ser estancado e revestiu-se de força e profundidade. E pareceu, por fim, que duas músicas progrediam ao mesmo tempo diante do trono de Ilúvatar e estavam em absoluta discordância. Uma era profunda, vasta e bela, mas lenta e impregnada de incomensurável mágoa, donde provinha principalmente a beleza. A outra, entretanto atingira uma unidade própria, mas era ruidosa, presunçosa e infindávelmente repetida, e tinha pouca harmonia, mas antes um clamoroso uníssono como de muitas trompas a estrondear com poucas notas. E tentava afogar a outra música com a violência da sua voz, mas parecia que as suas notas mais triunfantes eram absorvidas por aquela e entretecidas no seu próprio e solene padrão.

No meio da contenda, em que as mansões de Ilúvatar estremeceram e um tremor percorreu os silêncios ainda não perturbados, Ilúvatar levantou-se uma terceira vez e o seu rosto era terrível de se ver. Então levantou ambas as mãos e, num acorde mais profundo que o abismo, mais alto do que o firmamento e penetrante como a luz dos olhos de Ilúvatar, a música cessou. Então, Ilúvatar falou e disse: "Poderosos são os Ainur e o mais poderoso dentre eles é Melkor; mas, para que ele saiba, e todos os Ainur, que sou Ilúvatar, as coisas que cantastes vos mostrarei, para que possais ver o que fizestes. E tu, Melkor, verás que nenhum tema pode ser tocado se não tiver a sua suprema fonte em mim, nem pode ninguém modificar a música a despeito meu. Pois aquele que o tentar apenas provará ser meu instrumento na invenção de coisas mais maravilhosas que ele próprio não imaginara".

Então, os Ainur tiveram medo e não compreenderam ainda as palavras que ouviram; e Melkor ficou cheio de vergonha, da qual nasceu secreta cólera. Mas Ilúvatar ergueu-se em esplendor e partiu das belas regiões que fizera para os Ainur, e os Ainur seguiram-no. Mas quando chegaram ao vazio, Ilúvatar disse-lhes: "Olhai a vossa música!" E mostrou-lhes uma visão, dando-lhes vista onde antes houvera só ouvido; e viram um mundo novo, tornado visível para eles, um mundo feito globo no meio do vazio e nele sustentado, mas que não era parte dele. E, enquanto olhavam e se maravilhavam, esse mundo começou a desenrolar a sua história e pareceu-lhes que vivia e crescia. E, quando os Ainur tinham olhado um bocado e estavam silenciosos, Ilúvatar repetiu: "Olhai a vossa música! Esta é a vossa arte de menestréis; e cada um de vós achará aqui contido, entre o desígnio que vos apresentei, todas aquelas coisas que lhe podem parecer terem sido por ele próprio inventadas e acrescentadas. E tu, Melkor , descobrirás todos os pensamentos secretos da tua mente e compreenderás que são apenas parte do todo e tributários da sua glória."

E muitas coisas Ilúvatar disse aos Ainur nessa ocasião, e por causa da sua memória das palavras ouvidas e do conhecimento que cada um tem da música que ele próprio fez, os Ainur sabem muito do que foi e é e será, e poucas coisas há que não vejam. No entanto, algumas coisas há que não podem ver, nem sozinhos nem formando conselho juntos, pois a ninguém, além de si mesmo, revelou Ilúvatar tudo quanto tem de reserva, e em cada era surgem coisas que são novas e não se podem prenunciar, pois não provêm do passado. E foi assim que, ao ser-lhes mostrada esta visão do mundo, os Ainur viram que continha coisas que eles não tinham pensado. E viram com espanto a vinda dos filhos e a habitação que estava preparada para eles e perceberam que eles próprios, no labor da sua música, tinham estado atarefados com a preparação dessa habitação, e, contudo, não sabiam que tinha algum propósito além da sua própria beleza, pois os filhos de Ilúvatar só por ele eram imaginados; vieram com o terceiro tema e não constavam do tema proposto por Ilúvatar ao princípio, e nenhum dos Ainur participara na sua criação. Portanto, quando os olharam, mais os amaram, por serem coisas diversas deles próprios, estranhas e livres, em que viam a mente de Ilúvatar de novo modo refletida, e aprenderam um pouco mais da sua sabedoria, que de outra maneira estivera escondida até dos Ainur.

Os filhos de Ilúvatar são os Elfos e os Homens, os primogênitos e os que vieram depois. E entre todos os esplendores do mundo, as suas mansões e os seus espaços e os seus fogos giratórios, Ilúvatar escolheu um lugar para morada deles nas profundezas do tempo e no meio das inúmeras estrelas. E essa morada podia parecer um coisa insignificante àqueles que só consideram a majestade dos Ainur, e não a sua terrível sagacidade, como quem usasse todo o campo de Arda para alicerce de uma coluna e a erguesse até o cone do seu cume mais aguçado do que uma agulha, ou como quem considerasse apenas a incomensurável vastidão do mundo, que os Ainur ainda estão a moldar, e não a minuciosa precisão com a qual moldam todas as coisas nele. Mas, depois de os Ainur terem olhado essa morada numa visão e terem visto erguer-se nela os filhos de Ilúvatar, então muitos dos mais poderosos dentre eles concentraram todo o seu pensamento e todo o seu desejo nesse lugar. E, deles, Melkor foi o principal, assim como foi no princípio o maior dos Ainur que tomou parte na música. E fingiu, ao princípio até para consigo próprio, que desejava ir para lá e organizar todas as coisas para bem dos filhos de Ilúvatar, controlando as tempestades de calor e frio que através dele tinham passado. O que, porém, desejava era submeter à sua vontade tanto os Elfos como os Homens, invejoso dos dons com os quais Ilúvatar prometia dotá-los; e, pessoalmente, desejava ter súditos e servidores e ser tratado por senhor e dominar outras vontades.

Mas os outros Ainur olharam aquela morada instalada nos vastos espaços do mundo, a que os Elfos chamam Arda, a Terra, e os seus corações rejubilaram com a luz, e os seus olhos , ao verem muitas cores, encheram-se de contentamento; mas, por causa do rugido do mar, sentiram uma grande inquietação. E observaram os ventos e o ar e as matérias de que Arda era feita - ferro, pedra, prata, ouro e muitas substâncias - mas, de todas elas, foi a água que mais elogiaram. E dizem os Eldar que na água ainda vive o eco da música dos Ainur, mais do que em qualquer outra substância existente nesta Terra; e muitos dos filhos de Ilúvatar escutam ainda, insatisfeitos, as vozes do mar, sem, contudo, saberem o que escutam. Ora, foi para a água que Ainu, a quem os Elfos chamam Ulmo, voltou o pensamento, e de todos foi o mais profundamente instruído em música por Ilúvatar. Mas sobre os ares e os ventos meditara mais Manwë, que é o mais nobre dos Ainur. Na contextura da Terra pensara Aulë, a quem Ilúvatar dera perícia e conhecimento pouco inferiores aos de Melkor; mas o deleite e o orgulho de Aulë estão no ato de fazer e na coisa feita, e não na posse nem na sua própria mestria; por isso ele dá em vez de guardar, é livre de cuidados e está sempre a dedicar-se a qualquer novo trabalho.

E Ilúvatar falou a Ulmo e disse: "Não vês tu como aqui, neste pequeno reino nas profundezas do tempo, Melkor abriu guerra contra o que era província tua? Ele pensara em frio agreste e imoderado e, contudo, não destruiu a beleza das tuas fontes, nem das tuas claras lagoas. Vê a neve e o artístico trabalho da geada! Melkor imaginara calores e fogo sem moderação, mas não secou o teu desejo nem silenciou completamente a música do mar. Deves olhar é a altura e a glória das nuvens e as névoas sempre a mudar e escuta a queda da chuva na Terra! E nessas nuvens és levado para mais perto de Manwë, teu amigo, a quem amas."

E Ulmo respondeu: "Em verdade, a água tornou-se agora mais bela do que o meu coração imaginara, e tão-pouco o meu secreto pensamento concebera o floco de neve, nem em toda a minha música estava contida a queda da chuva. Procurarei Manwë para que ele e eu possamos fazer eternamente melodias para teu deleite!" E Manwë e Ulmo foram, desde o princípio, aliados e em todas as coisas serviram fielmente o propósito de Ilúvatar. Mas enquanto Ulmo falava e os Ainur olhavam ainda esta visão, ela foi afastada e escondida da sua vista e pareceu-lhes que nesse momento tiveram consciência de uma coisa nova, a escuridão, que não tinham conhecido a não ser em pensamento. Mas tinham-se enamorado da beleza da visão e absorvido no desdobrar do mundo que nela ganhava vida, e a sua mente estava cheia dela, pois a história estava incompleta e os círculos do tempo não totalmente criados quando a visão foi afastada. E alguns disseram que a visão cessou antes do cumprimento do domínio dos Homens e do gradual desaparecimento dos primogênitos, razão por que, embora a música esteja sobre tudo, os Valar não viram, com olhos de ver, as últimas eras ou o fim do mundo.

Então houve desassossego entre os Ainur, mas Ilúvatar falou-lhes e disse: "Conheço o desejo das vossas mentes de que o que vistes exista verdadeiramente, não só no vosso pensamento mas também como vós próprios existis, e, contudo, diferentemente. Por isso, eu digo: Eä! Que estas coisas existam! E enviarei para o vazio a flama imperecível e ela ficará no coração do mundo, e o mundo existirá; e aqueles de vós que quiserem ir para ele." E, de súbito, os Ainur viram ao longe um luz, como se fosse uma nuvem com um coração vivo de chama, e souberam que não se tratava apenas de uma visão, mas sim que Ilúvatar fizera um coisa nova: Eä, o mundo que existe.

Aconteceu, assim, que dos Ainur alguns residiam ainda com Ilúvatar fora dos confins do mundo, mas outros, e entre eles muitos dos maiores e mais belos, despediram-se de Ilúvatar e desceram ao mundo. Mas uma condição Ilúvatar impôs , mesmo que se trate da necessidade do amor por eles, e foi a condição de que o poder dos que tal escolheram ficasse daí em diante contido e limitado no mundo, para ficar dentro dele para sempre, até estar completo, de modo que eles são a sua vida e ele é a vida deles. E por isso se chamam os Valar, os poderes do mundo.

Mas, quando entraram em Eä, os Valar ficaram, ao princípio, estupefatos e sem compreender, pois não parecia nada ter sido ainda feito do que tinham visto na visão e tudo estar apenas a começar e ainda informe, e era escuro. É que a grande música fora apenas o desabrochar e o florescimento do pensamento nas mansões eternas e a visão somente fora uma prefiguração; mas agora tinham entrado no princípio do tempo, e os Valar perceberam que o mundo não fora mais do que prenunciado e pré cantado, e eles tinham de realizá-lo. Assim começaram os seus grandes labores em desertos incomensuráveis e inexplorados, durante eras incontáveis e esquecidas, até, nas profundezas do tempo e no meio das imensas mansões de Eä, chegarem aquela hora e aquele lugar em que foi feita a morada dos filhos de Ilúvatar. E, desse trabalho, a parte principal foi assumida por Manwë, Aulë e Ulmo; mas Melkor também lá esteve desde o princípio e intrometeu-se em tudo quanto foi feito, afeiçoando-o, se era possível, aos seus próprios desejos e propósitos, e ateou grandes fogos. Portanto, quando a Terra ainda era jovem e cheia de flama, Melkor cobiçou-a e disse aos outros Valar: "Este será o meu reino, e meu o proclamo!"

Mas Manwë era irmão de Melkor na mente de Ilúvatar e o principal instrumento do segundo tema que Ilúvatar apresentara contra a desafinação de Melkor; e chamou a si muitos espíritos, tanto maiores como menores, e estes desceram aos campos de Arda e ajudaram Manwë, não fosse Melkor impedir para sempre a realização do seu labor e a Terra murchar antes de florir. E Manwë disse a Melkor: "Este reino não tomarás injustamente como teu, pois muitos outros aqui trabalharam não menos do que tu." E houve contenda entre Melkor e os outros Valar; e, por essa vez, Melkor recuou e partiu para outras regiões, nas quais fez como lhe aprouve, mas não tirou do coração o desejo do reino de Arda.

Então, os Valar assumiram forma e cor; e, como tinham sido atraídos para o mundo por amor dos filhos de Ilúvatar, pelos quais esperavam, assumiram forma de acordo com o que tinham visto na visão de Ilúvatar, exceto apenas em majestade e esplendor. De mais, a sua forma provém do seu conhecimento do mundo visível, mais do que do próprio mundo; e não precisam dela,, a não ser apenas do mesmo modo que nós precisamos de vestuário, apesar de podermos estar nus sem sofrermos nenhuma perda do nosso ser. Por isso, os Valar podem andar, se lhes aprouver, despidos, e, assim, nem mesmo os Eldar podem claramente aperceber-se deles, conquanto estejam presentes. Mas, quando desejam vestir-se, os Valar assumem formas, algumas de macho e outras de fêmea, pois essa diferença de condição tinham-na mesmo desde o seu princípio e é somente corporizada na escolha de cada um, e não feita por essa escolha, assim como nós, machos e fêmeas, podemos ser revelados pelo trajo, mas sem que seja o trajo que tal nos faça. Mas as formas de que os grandes se revestem nem sempre são como as formas dos reis e das rainhas dos filhos de Ilúvatar, pois às vezes podem vestir-se com o seu próprio pensamento, tornado visível em formas de majestade e esplendor.

E os Valar chamaram a si muitos companheiros, alguns inferiores e alguns quase tão grandes quanto eles próprios, e trabalharam juntos no ordenamento da Terra e na contenção dos seus tumultos. Então, Melkor viu o que estava feito e que os Valar caminhavam na Terra como poderes visíveis, envoltos no trajar do mundo, e que eram encantadores e gloriosos de ver, e felizes, e que a Terra se estava a tornar como que um jardim para seu deleite, pois as suas convulsões estavam subjugadas. A sua inveja tornou-se ainda maior dentro dele e também assumiu forma visível, mas, por via da sua disposição e da maldade que nele ardia, essa forma foi escura e terrível. E desceu em Arda em poder e majestade maiores do que qualquer outro dos Valar, como uma montanha que penetra no mar e fica com a cabeça acima das nuvens e se apresenta vestida de gelo e coroada com fumo e fogo; e a luz dos olhos de Melkor era como uma chama cujo calor emurchece e cujo terrível frio traspassa.

Assim começou a primeira batalha dos Valar com Melkor pelo domínio de Arda; e, desses tumultos, os Elfos pouco sabem, pois o que foi aqui declarado proveio dos próprios Valar, com quem os Eldalië falaram na terra de Valinor e por quem foram instruídos; mas pouco quiseram os Valar dizer das guerras anteriores à chegada dos Elfos. No entanto, diz-se entre os Eldar que os Valar sempre tentaram , a despeito de Melkor, dominar a Terra e prepará-la para a vinda dos primogênitos; e construíram terras e Melkor destruiu-as, escavaram vales , que Melkor soergueu, esculpiram montanhas, que Melkor arrasou, abriram mares, que Melkor derramou; e nada podia ter paz ou crescimento duradouro, pois assim que os Valar iniciavam um labor, tão logo Melkor o desfazia ou corrompia. E, todavia, o labor deles não foi todo em vão; e, embora em parte nenhuma e em trabalho nenhum fossem a sua vontade e o seu propósito totalmente cumpridos e todas as coisas fossem em tonalidade e em forma diversas dos que os Valar ao princípio tinham planejado, mesmo assim, lentamente, a Terra foi moldada e tornada firme. E, assim, foi finalmente estabelecida a habitação dos filhos de Ilúvatar nas profundezas do tempo e no meio de inúmeras estrelas.


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