O leitor e a analfabeta - Gabriel Perissé

Correio da Cidadania

O leitor e a analfabeta



Gabriel Perissé


Bernhard Schlink, autor alemão contemporâneo, escreveu O leitor (Editora Nova Fronteira), muito elogiado à época do lançamento, em 1995, romance que toca num tema ainda difícil para grande parte dos alemães, para os europeus em geral, e para os judeus em particular: o holocausto. Problema vivo e angustiante para quem ainda vive o passado presente dos campos de concentração nazistas.


O título em alemão - Der Vorleser - em francês tornou-se Le liseur (palavra aveludada, mais sensual do que Le lecteur ). Na edição italiana, o título é Il lettore pubblico , fiel ao título do original, segundo os entendidos, por referir-se a um leitor que lê diante de outra pessoa, e sente prazer neste ato.

Se alguém me perguntasse como eu traduziria o título para a nossa língua, não proporia O ledor , a exemplo dos franceses, mas algo como O leitor apaixonado . A história, que começa no final da década de 50, fala de um rapaz de 15 anos que, durante seis meses, vive uma relação amorosa com uma mulher vinte anos mais velha. Nesta relação, há um ritual. Antes de se amarem, ele lê para ela trechos de um livro, como Guerra e paz .

Um dia, Hanna (assim ela se chama) desaparece. Michael (assim ele se chama) jamais a esquecerá. Jamais esquecerá que leu para ela, em voz baixa, autores clássicos como Schiller e Goethe. Anos depois, quase formado em Direito, Michael a reencontra num tribunal. No banco dos réus, acusada por crimes que teria cometido quando atuou como guarda em Auschwitz. Sentença: prisão perpétua. No presídio, recebe de Michael, que nunca a visita, fitas com gravações de A Odisséia , textos de Franz Kafka, Zweig...

Hanna representa para o rapaz a iniciação sexual, mas também a iniciação dolorosa no mundo em que o passado culposo sempre vem à tona. Para Hanna, Michael representa uma possível libertação: ouvindo as fitas com os textos dos livros ao lado, ela aprenderá sozinha a ler e escrever.

Uma parábola.

A leitura como ato de entrega. O leitor amante, que precisa ler a história do seu povo e escrever a sua história pessoal, para entender-se. E a analfabeta apaixonada pelo leitor, que lhe oferece, em lugar de flores, a riqueza e a beleza dos bens literários.



Gabriel Perissé é doutor em Filosofia da Educação pela USP e coordenador pedagógico do Ipep (Instituto Paulista de Ensino e Pesquisa).


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