Gabriel perissé - O enterro do leitor


O enterro do leitor

- Gabriel Perissé

Meus parentes e amigos, quando eu morrer, por favor, não permitam que a dor de me perderem apague de suas lembranças as instruções que faço agora sobre como desejo o meu enterro.

Quero que o meu corpo seja coberto, não pelo terno incômodo ou pelas perecíveis flores, mas por aquelas obras e aqueles autores que em vida me deram vida e, na morte, me darão o consolo de os ter lido um dia.

Quero que E o Vento Levou , de Margaret Mitchell, cubra os cabelos que me restaram.

Quero que Visão do Paraíso , de Sérgio Buarque de Holanda, esconda os meus olhos para que eles nunca mais se fechem.

Quero que Cheiro de Goiaba , de Gabriel García Márquez, penetre fundo as minhas narinas e não me deixe esquecer todos os odores, os perfumados e os podres, que senti na terra.

Quero que Música ao Longe , de Érico Verissimo, envolva os meus ouvidos como as melodias suaves e terríveis que ouvi ao longo dos meus dias.

Quero que A Língua Absolvida , de Elias Canetti, permaneça sobre a minha boca, e me perdoe tudo o que eu disse em segredo ou em público, e, sobretudo, aquilo tudo que não deveria ter calado.

Quero que Perto do Coração Selvagem , de Clarice Lispector, agasalhe o meu peito eternamente aberto.

Quero que As mãos de Eurídice , de Pedro Bloch, fique em minha mão esquerda e que As Mãos Sujas , de Sartre, fique na direita, e que eu continue folheando a vida, mesmo depois de desfolhada.

Quero que O Prazer do Texto , de Roland Barthes, proteja o meu sexo e me dê a certeza de que a história não termina aqui.

Quero que vários exemplares de Vá aonde seu Coração Mandar , de Susanna Tamaro, recubram as minhas pernas e meus pés, para que eu não me desvie do caminho.

Quero que assim feito, fechem meu caixão com chave de ouro, e durante a descida final, em lugar da tradicional chuva de pétalas e flores, joguem páginas com poemas de Fernando Pessoa, Adélia Prado, ou com o poema de Mário de Andrade em que ele pede que, após a morte, distribuam partes de seu corpo pela cidade de São Paulo, assim concluindo:"As tripas atirem pro Diabo, que o espírito será de Deus. Adeus."

Domingo, 22/6/2003


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