Valor e vida

Quando nasci, todas as coisas me eram mudas. Ouro e lixo me valiam igualmente.

Um dia aprendi a ler. Mas antes, eu já lia as coisas. Elas já me falavam. Havia boas e ruins, alguma de valor supremo, outras indesejáveis.

Não é que elas mudaram. Mudei eu quando comecei a valorizá-las. O valor das coisas não está nas coisas.

Não foi pensando nelas mas em mim que comecei a lhes dar valor. Todas juntas somam o mundo. E todos os meus dias juntos somam a minha vida.

Pois foi em busca de um sentido do mundo e da vida que comecei a preferir umas, rejeitar outras.

Vim ao mundo, livre para escolher. Fui amando umas, avertendo outras, porque escolher é amar. Cada escolha foi uma argola e o conjunto delas se fez corrente, marcando o sentido que dei à vida.

Estou dizendo que me acorrentei, prisioneiro de meus valores. Só sou livre enquanto não escolho, não amo. Quem ama não faz o que pensa, só faz o que ama.

    Então amor apaga a liberdade? Isso mesmo: ele apega e apaga.

Liberdade, como dinheiro, é para se gastar. Quem guardou, perdeu. Dinheiro se troca por coisas. Liberdade, por amor.

Borboletas adejam todas as coisas, num viver sem rumo certo Mas vida humana é diferente. Há uma opção fundamental de vida, que comanda todas as demais.

É ela a bússola de meus dias. Aponta a meta suprema de meu viver. Por causa dela, vivo todos os dias, na esperança de um só dia.

Ao final, tenho minha identidade. Não sou minha impressão digital. Sou essa corrente de valores e opções de vida. Sou escolha feita, liberdade perdida, amor achado. Sou as cinzas de minha liberdade consumida em holocausto a meus valores.

Sobre meus ombros carrego meu passado, meu Eu. Isso mesmo: sou meu passado, minha vida vivida. O futuro é promessa. O presente é agônico, morrendo um minuto por minuto. Só o passado é. Só o passado não passa.

    Viver passa. Ter vivido não passa.

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