F. Pereira da Nóbrega |
Jornal Correio da Paraíba, sexta-feira, 14 de março de 2003.
Vida, como experiência
Mais difícil que chegar ao Espaço, nos braços da Nasa, é chegar ao fim da vida por seus próprios pés.
No Espaço, o tropeço tem sido exceção que na vida é regra geral. O satélite é construído. O homem se
constrói. O foguete é programado para subir mais e mais. Na vida humana, ninguém sobe em linha reta.
Programações prévias lhe não bastam. Em cada embate desvia a rota, aprende errando até parar de errar.
O cosmonauta embarca, sabendo para onde seu foguete vai. Mas seu dia de amanhã nenhum vivente sabe.
Nasci sem uma só idéia na cabeça. Senti, tropecei, vi e ouvi, feri-me, cheirei e chorei. Apalpei-me,
toquei o mundo, conheci um pouco de nós dois. Foi a hora das sensações. Foi a entrada na vida.
Cheguei ao uso da razão, à vida adulta depois. Voltei a apalpar o mundo e a mim mesmo, agora em
idéias, mais que sensações. E elas me foram perguntas mais que respostas: o que é tudo isso que está
diante de mim e chamam de mundo? Isso teve começo ou é eterno? E eu mesmo o que sou?
Começar a existir é começar a escolher. E começar a escolher é começar a amar. Não só com idéias,
com o coração também, se constrói a experiência de vida. As idéias pedem lógica. O coração pede amar.
Foi assim que amei umas coisas, rejeitei outras. Nasceram-me desafetos e valores. Vieram as opções
fundamentais da vida, como estado civil, credo, profissão. Vieram-me também ideais pelos quais vale a
pena viver. E como se voltasse a ser criança, vi-me e ouvi-me de novo, nas razões que as idéias tiveram
para o sorriso e a dor.
Dessa experiência de vida vou chegando à porta final. Construí-me? Destruí-me? Sou a soma de minhas
opções. Sou o homem que minha liberdade escolheu no horizonte dos ideais que esposei
Não me peçam o segredo de minha vida. Cada uma é uma experiência que não se traduz em palavras
ou aulas. Cada um de nós é, no íntimo, seu próprio segredo
Ninguém se explica bastante. Ninguém conhece ninguém. Cada um, é uma escola de vida, mais distante
das outras do que a língua portuguesa dista da alemã, da chinesa. Sensações dos primeiros dias e conceitos
do uso da razão ainda se traduzem em idiomas. Cada um de nós é intraduzível. Sou uma palavra que
pronunciei enquanto vivi e a História humana jamais repetirá. Portinari fez várias telas. Michelângelo,
estátuas várias. Eu me fiz, mais que rarísismo, único nas vidas da humanidade.