F. Pereira da Nóbrega


Jornal Correio da Paraíba, domingo, 12 de outubro de 2003

Vencer na vida





    Desde a infância ouvi esta expressão: vencer na vida.. Essa guerra cada um tem que travar com as armas que vêm do berço. A suposição é que nascemos vencidos. Alguns superam essa condição. Outros, nasceram vencedores, em berço de ouro. São filhos do sucesso financeiro. O fazendeiro do sertão teve carro, depois avião. Multiplicaram-se as suas terras. Tornou-se o líder político. Venceu na vida.


    Jamais se ouviu que teremos oportunidade de amanhã o sol nos nascer. É regra geral. O vencer dos vencidos é exceção. Depende de oportunidade. Esperam a chance que talvez nunca venha. Urge que os vencidos mantenham vigília, enquanto a vida durar..


    Ou vençam pelas loterias, pistolão político, golpe no alheio. Lembram-se daquele brasileiro, homossexual, no hotel de Nova Iorque? Acreditou chegada sua oportunidade. Trancou-se com o outro, o matou, levou milhares de dólares. Deve ter saído, dizendo a si mesmo: venci na vida.


    Na expressão do povo, nos fatos que a associam, alguma coisa deve estar errada. Cidadania não pode ser privilégio. Se nascemos vencidos, já nos foi negada no berço. Se o acesso à cultura, subsistência, educação, saúde, é para alguns, cidadania não é para todos. Nem ela pode ser diferenciada: de primeira, segunda categorias.


    Também nasci vencido. Era a casa sem luz, o povo sem escola, o chão sem estrada. Era a doença sem receita, médico nem farmácia. Éramos analfabetos na mata, esperando vencer na vida. Minha família teve estranha idéia para aquela época. Mandou vir, de longe, um professor. Na mata, conosco, nos ensinou a ler, escrever, contar. Foi o começo de tudo o que se seguiu. Também tive cidadania capenga. Também tive de vencer na vida.


    Vencer por vez quer dizer curvar os demais. Eu não quis ser o primeiro na política ou nos negócios. Prefiro carregar a dor dos vencidos. Pela cartilha que falta, pela doença que sobra, por quem ignora direitos, por uma cidadania plena a cada ser humano – essa a minha luta.


    Quando Zumbi fez sua República dos Palmares, não conseguiu esquecer os demais negros que neste Brasil ainda penavam. Enquanto um ser humano ainda nascer vencido, nesta sociedade, enquanto seu êxito depender da loteria, chance, oportunidade, pistolões, enquanto a cidadania for apenas apelido para milhões, não, ainda não senti que venci na vida.


Envie carta para VINI E JOBIS Essa página foi gerada através do Intervox, mais um utilitário desenvovido pelo PROJETO DOSVOX
Fale com o Webmaster