F. Pereira da Nóbrega |
A moça teria ajudado seu namorado a matar sua mãe. Vi a ré, saindo da delegacia, objeto de mil
filmadoras que por sua vez revendem sua imagem a mídia de todas as modalidades. E me pergunto se esse
ser humano não tem direito a administrar sua imagem, deixar-se ou não filmar.
Existe o eu e existe o meu. Da tortura, do seqüestro, direitos constitucionais protegem o eu. Protegem
também minha propriedade, reputação, liberdade de pensar, privacidade - o meu
Meu corpo e sua imagem sou eu além de mim. Dele são projeções diretas. Ligada a mim mais que meu
nome, sombra, assinatura, minha imagem é quase pedaço de mim. Então, mais que um repórter, tenho
direito a ela. Filmada ou fotografada, algo passou de mim para a câmara que ainda me é propriedade
privada. Podem publicar, sem permissão minha, o que escrevi? Não? E, por que, minha imagem seria algo
menos meu que minha escrita?
Vi na tv, outra mulher, tempos atrás, fugindo do repórter pelas ruas, em tamanha debandada que quase
era atropelada. Foi o único modo que lhe restou de proteger o que é seu. Estava sendo coagida para sua
imagem ser usurpada, vendida a terceiros.
Vejo gente sendo assim punida antes de ser julgada. Basta ser detida, suspeita. A imprensa vem, filma,
vende imagens. São criminosos? A justiça ainda não os disse. E por que estão sendo punidos?
A mídia precisa de leis. Delas precisa para proteger a liberdade de pensamento. E já as tem. Precisa
ainda para sua liberdade não ser a escravidão do outro. E essa nós, cidadãos, ainda não temos. A
Constituição vigente, nesse detalhe, assinou em branco para repórter fazer de nós o que quiser. Diz: “ é
livre a expressão da atividade ... de comunicação, independente de censura”. Nesses termos, a mídia da
imagem se coloca acima da lei, do bem e do mal.
Esteja rigorosamente assegurada a liberdade de expressão da imprensa escrita e falada. Mas o
comunicólogo a expresse com sua tinta e sua voz, sua imprensa e seu dinheiro, não com minha imagem,
literalmente seqüestrada. Filme e fotografe as coisas que quiser, sem pedir licença a ninguém. Mas não faça
de mim coisa, objeto, sem minha licença, sem ser consultado.
Jacqueline Kennedy foi objeto, fotografada nua, à revelia, em sua privacidade. Ao cidadão só resta o
gesto de espalmar a mão contra a filmada. Ou aquele outro, de detidos, velando o rosto à fotografia, antes
mesmo de serem julgados. Nisto não existe alguma coisa errada?