Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega



Surpresa de existir

Por vez me surpreendo de existir. Para muita gente é a existência a regra geral. A morte, a exceção. Penso exatamente o inverso: a coisa mais assombrosa, quase inacreditável, é que estou aqui e agora, existindo. Parece até milagre. Porque, nada mais fácil do que eu nunca ter existido.

Pergunte a seus pais como se conheceram. O caso pervade todas as histórias. Nenhuma necessidade inexorável impelia um para conhecer o outro. Parecemos todos filhos do acaso. Como os filhos dos que se conheceram por uma linha cruzada, um telefonema errado. Este país não foi descoberto por acaso? Se, naqueles dias, o vento houvesse soprado noutra direção, hoje haveria outras nações, na mistura de outras raças. Outros que não eu, meus pais, meus avós.

Quem sabe, na Idade Média, um caçador seguiu a direção em que a caça voou. Porque assim andando, conheceu Maria, e se casaram, graças a isto hoje existo. Quem sabe, no Império Romano, por um triz o soldado não matou o ferido. Porque no instante decisivo de enxergá-lo, a nuvem ocultou a lua no céu e o ferido no chão - graças a isto hoje existo. Quem sabe, na Pré-história, a fera esturrou e ele e ela entraram na Caverna. E porque entraram dois e saíram três - graças a isto hoje existo.

Minha vida dependeu da direção em que o vento soprou sobre o Atlântico num dia de 1500. Dependeu talvez do rumo em que uma ave voou num dia da Idade Média. Talvez dependeu de uma fração de minutos em que uma nuvem empanou o céu ou uma fera esturrou na terra. A existência me chegou quase impossível de chegar. Foi uma corrida de obstáculos, através de milhões de anos e trilhões de acasos. Se um deles falhasse, eu teria restado no limbo do nada. Nenhuma corrente é mais forte do que seu elo mais fraco.

A Biologia me diz que, na formação de meu ser, concorreram 1 bilhão e 500 milhões de espermatozóides para fecundarem um óvulo. Qualquer outro deles que chegasse antes teria gerado outro ser que não eu.

Calouros universitários, após cada vestibular inflam o peito para dizerem que no meio de milhares obtiveram primeiro lugar Eu, no vestibular da existência, para uma única vaga, concorri com 1,5 bilhão e tirei primeiro lugar.

Puxa, que surpresa, que milagre! Gente, é quase inacreditável mas eu existo. Ante estupefação tamanha, a vontade é de pensar que esse mar de acasos vai aportar nalguma Transcendência. E a surpresa se transmuda em adoração.


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