F. Pereira da Nóbrega |
Sonhos de cada idade
Inerte, de braços abertos - é a boneca. Até parece que busca a menina. Ao contrário, toda menina vai
buscar a sua.
Boneca é prazer do conviver sem ônus do educar. Pais, que sofram com suas menininhas rebeldes.
Boneca nenhuma nos contraria. Toda ela é bem educada.
A menina cresce e, dentro dela, o sonho se faz maior. Adolesceu. Espera um príncipe encantado quando
seu futuro se desencantar. Se o príncipe lhe rir, flertar, poderá durar um minuto nos relógios do mundo.
Será uma eternidade de recordações.
Cantor, ator, quem será? Ela procura a semelhança amada. Encontra-a na imagem de sua imagem, no
espelho de sua casa. Mas esta a desagrada. O nariz parece grande. Acha feio seu cabelo. Toda adolescente
se rejeita. Mas não concede a ninguém o direito de rejeitá-la.
Buscando a semelhança de si, finalmente a encontrou. O desejo de maternidade falou mais alto e a filha
- mesmo nariz, cabelo - se fez a semelhança que antes rejeitava.
Com a infância que se foi, a boneca virou sucata. A outra, de carne e osso, filha sua, aí está. Passou
nove meses em seu seio, alguns anos em seus braços. Passará a vida inteira em seu coração.
Um dia, vem a filha da filha. A mãe se fez avó. A menina que buscava boneca, primeiro, dela enjoou.
Depois, o passado pareceu voltar e ei-la de novo com ela nos braços. Agora, a neta é a boneca da avó.
No início da vida, boneca parecia menina. No final, a menina parece boneca. Recapitula gerações
passadas e se faz semente de outras, futuras. Com ela os pais se preocupam, a repreendem. Os avós
apenas se deliciam. Melhor que mãe - assim parece - é ser avó.
Se pudéssemos ouvir, dos lares, os sonhos de cada idade, certamente estaríamos todos ouvindo o
mesmo desejo. É uma geração dizendo à outra:
- Minha filha, dá cá tua filha.