F. Pereira da Nóbrega






Jornal Correio da Paraíba, terça-feira, 12 de novembro de 2002.

Somos 26 nações






    Na língua do povo continua soando um conceito errado. Parece-me voz do preconceito. Falo da tal Nação brasileira. Antes de eu ser apedrejado, a Antropologia Cultural e as Ciências Políticas me venham em socorro ao dizer: a Nação brasileira não existe.


    Nosso território abriga 27 nações. Delas, 26 são indígenas. Com sotaque de preconceito se fala da única Nação, com seu modo de viver oficial, por vez imposto, como outrora se fazia com religiões. A Revolução militar de 64 decretou o desaparecimento das 26 nações da floresta, dentro de dez anos.


    Por que, em nome de que, se vêem povos da floresta obrigados a ter nosso mesmo modo de vida? A Declaração Universal dos Direitos do Homem assegura que todo ele tem direito a sua cultura. Também, o homem da floresta. Disse mais do que nela se costuma ler. Disse que o Direito começa pelo homem, indivíduo, não por ração, povo, nação. Todos esses grupamentos humanos estão a serviço da realização individual - não vice versa.


    Sem sua floresta, não há povos da floresta. Se ela é dizimada, perdem eles sua cultura, seu modo natural de vida. Reduzem-se a objetos de curiosidade turística, igualmente a animais de zoológico. Ou começam os suicídios em suas tribos, como ora se repete largamente no Brasil.


    Mas a Nação quer destruir 26 outras nações, como fez desde o Descobrimento. Entra e sai Governo e suas terras não são desmarcadas. São invadidas por garimpeiros, revolvendo terras, derramando mercúrio nos rios. Entre os Ianomâmi, para centenas de aviões no ar havia dezenas de pistas no chão. E a Funai dizia que isso era clandestino e ela ignorava.


    Maior que de ouro e diamante é o garimpo da própria terra indígena. Demarcá-las não rende votos. Governos se desinteressam disso. O tempo corre contra o índio. Não se passa um só ano sem que o branco avance mais. O que foi ocupado, ao arrepio da lei, ao índio não volta mais.


    Aqui, na Baía da Traição, vá ver brancos e seus imóveis sobre solo indígena. Nada oficial previne a usurpação. A demarcação das terras, quando vier, promoverá a ocupação ilegal a usucapião. Um Secretário deste Estado trouxe um dia alemães à Baía da Traição, lhes mostrou as terras indígenas, as ofereceu para gringos sobre elas construírem hotéis.


    Mais que o Direito Civil, em torno de coisas roubadas, grite o Direito Penal em favor desses, eternamente considerados de menor. São 26 nações com o pescoço na guilhotina da ambição da gloriosa, única, oficial Nação brasileira.


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