Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega



Sertão chovido

Por esses dias voltei ao meu sertão.

É de Quéfrens ou Miquerinos essa pirâmide gigantesca, avultando no horizonte? Se de algum faraó, é o Nilo esse rio que passa, fecundando margens para sobrevivência de milhões. Blocos de granito, do tamanho de casas, parecem nos colocar em bairro de outro planeta ou perante vestígios milenares de civilizações extintas.

Não é o Egito nem outro planeta. Aqui é a civilização do chapéu de couro. É o sertão chovido que vou penetrando. Enquanto desço a Serra da Viração, monólitos enormes de perto parecem cidades, de longe parecem rebanhos. São os rebanhos que restaram das secas que já se foram.

Em terras de Patos e Santa Luzia, essas montanhas pontiagudas realmente lembram pirâmides. Em Pombal, as linhas dos montes, mais sinuosas, menos aclives, lembram seios nus da natureza mãe. Aqui, a bela adormecida, a natureza mãe! Acorda na chuva quem adormeceu na fome. Dela, mães aprenderam esse truque que ensinaram aos filhos: quanto falta comida e sobra fome, elas os põem a dormir, mesmo de dia, e assim se esquecem do que está faltando..

Mais adiante é a forma plana e rotunda da planície de Sousa. Uma hóstia pousada no chão, como naquele milagre que rumores de antepassados nos contam. Mas a bela adormecida eu a vi acordada e mais bela ainda. Vi o sertão chovido, o céu nas águas, espelhado em açudes, por todo canto. Vi arco-íris se cruzando nos céus e névoa na crista dos montes. O verde da plantação se espalhou em meus olhos, ao contrário do que diz a canção.

A gente perdoa a estrada alagada, o açude arrombado, a ponte desfeita, a casa que é ilha. Perdoa quando vê a Foz de Iguaçu nas lâminas tombantes dos açudes sangrando.

As serras, de tanto fitarem os céus, terminam ficando azuis. E esses sertanejos, esperando chuva, de tanto fitarem os céus, tomaram jeito de santos. Como aqueles santos rústicos em depósitos de ex-votos. Vi caminhando, lado a lado, pelas sendas sem poeira, o sertanejo e o jumento, duas espécies em extinção. Ambos ruminavam o mesmo alimento chamado paciência. E nos impacientam com paciência tanta.

Vi o inseto em crisálida, esperando ser borboleta. Vi o sertanejo, eterna crisálida da esperança. E os humildes ali continuam, esperando um dia serem borboletas, livres, na amplidão.


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