F. Pereira da Nóbrega


F. Pereira Nóbrega

Santuários de camponeses


    Seres humanos despejados do campo, acampam nas cidades, no limiar do desespero. O Meritíssimo os despeja. Pedem apenas o direito de trabalhar, enquanto 83% desta nação pede terras para eles. O direito de trabalhar, de ser útil à sociedade, é também o direito de ser dono de sua produção. Não o é o assalariado rural, da cana, onde já chegou o capitalismo rural. É pela metade quem é dito “meieiro”. Existe até o dito de “terça”, dono apenas de um terço de sua produção.


    Não sei se é dono de si quem não é dono de sua produção. Pelo trabalho, o homem se apodera do mundo, o transforma, o faz seu. É assim que ele se constrói a si mesmo. Não é dono do eu quem não é dono do meu, da semente que de seu suor brotou. Tudo isso acusa a relação entre o homem e a economia, entre o ser e o ter. Mesmo assim, camponeses estão a caminho das cidades porque o chão lhes fugiu dos pés.


    São pesos mortos na economia que não os assimilou. Sabem plantar e colher. Ignoram profissões urbanas. Na cidade eles aumentaram os problemas sem aumentar a solução. Em conseqüência, as dotações orçamentarias para a urbe sobem em progressão aritmética: 1. 2. 3. 4. 5. Os problemas urbanos sobem em progressão geométrica: 1, 2, 4, 8, 16.


    Mas isso ainda não é a verdade toda. Para as aves fala-se de santuários ecológicos. A gleba é santuário do camponês. Esta é a palavra que melhor diz sua relação com ela: algo de sagrado, como os santuários.


    O mecânico se sente senhor da máquina que maneja. O camponês se sente súdito da natureza que ele trabalha e reverencia. Ela lhe continua as mãos, como se fora seu corpo inorgânico. A partir do seio da mãe, a vida lhe teve origem. A partir da gleba, que cultiva, a vida lhe tem sentido. A terra lhe continua o ventre materno, lhe prolonga a gestação primeira. É o palco do aprender a falar, horizonte de seus valores, sentido de seus sentidos, vida de sua vida.


    Nesse habitat, mais cultural que econômico, nascem as amizades, se descortina a visão do mundo. Por ali passam o compadrio, as vivências mais profundas. As coisas da cidade lhe parecem todas descartáveis. No campo, tudo lhe parece essencial, perene. indispensável.


    Meritíssimo Juiz, não ordene um despejo sem pensar duas vezes na condição humana do camponês. Senhores do Incra, não transfiram humildes para qualquer lugar, como se fossem mercadorias. Até dos animais se respeita o habitat.


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