F. Pereira da Nóbrega |
Rua da vida
Cidades deveriam não ter nomes de ruas, números de casas. Eles são feitos para a matéria. E a vida
humana, já dizia Hegel, é manifestação do espírito. Números são feitos para o que se pode contar, medir,
pesar. Vida é qualidade, não se pesa em quilos, não se mede em metros.
Ruas e casas são palcos de manifestação da vida. Numere carros, com suas placas. Isso pega mal nos
lares. Será tudo menos frio, mais humano, quando aí lermos palavras, não algarismos.
Imagine uma cidade, em cada casa tendo, em vez de números, poucas palavras, contando a vida de
quem ali mora. Vou entrando na rua - parece que estou vendo! - vou lendo nas casas inscrições assim:
- Aqui, Mariana que amou marinheiro. Nos olhos dela, maré enchente! No coração dele, maré vazante!
- Não entre. Aqui ninguém vive. Todos se odeiam.
- Aqui, Felizardo. É deputado. O nome já diz.
- Aqui nasci, me criei. Esta casa me é feita de tijolo e saudade.
- Aqui, Aninha, infeliz com os dois maridos. O primeiro a largou. O segundo não a larga.
- Aqui, Karina, a filha única. No seio da mãe passou meses, anos no seu colo, a vida inteira no seu
coração.
- Aqui, o ceguinho que arranjou um amor. Tem medo de voltar a ver... que ela não mais o ama.
- Aqui Eva Ciumenta. Toda noite reconta as costelas do marido. Cada uma a menos seria outra Eva a
mais.
As esquinas das ruas, para variar, poderiam ter quadrinhas, como estas:
- Fiquei tristonho sem ela / ficou risonha sem mim / melhor eu triste que ela / ser triste junto de mim.
O pai que tivesse sua filha encalhada poderia arriscar também uma quadrinha:
-Aqui, Paula. Não se casa / Ninguém sabe seu porquê. Pense, entre, fale, ouça / quem espera por você.
Nossas ruas, com nomes de pessoas, lembram cemitérios. Lei proíbe nelas nomes dos vivos. Pense em
Rua da Saudade, Praça dos Namorados, Esplanada da Lua Azul.
Se concorda com minha idéia escreva-me para Rua da Vida, Esquina da Quadrinha.