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Vozes da minha rua - F. Pereira da Nóbrega |
Quando vim morar nos confins do Bessa, ali não chegavam ônibus nem estradas. Só quem se perdeu ali
chegava. Voltei a viver sabor de ecologia. Depois, a estrada veio, o ônibus passou. Veio o calçamento, o
asfalto depois. Girafas estiraram o pescoço, de todos os lados, escondendo o horizonte, marchando rumo à
minha rua. Eram os espigões da construção civil.
Por contradição, eu queria tudo isso, mais o romantismo da natureza, da mata. Quase consegui, quando
hoje as vozes de minha rua ecoam em minha casa.
Acordo com os passarinhos. Ainda os há, disputando o último verde, aqui e ali, pousado em jardins,
esquinas, calçadas.
Pelas nove da manhã, ouço, invariavelmente aquele pregão, escandindo sílabas, quase cantadas:
"Vassoura! Espanador! Quem quer comprar?".
Pelas horas do meio dia, outro pregão embala a refeição: "Olha o sorvete! Vai passando o sorvete! São
nove bolas! E promoção! Traga a vasilha!".
Faz anos que diariamente é promoção. Quem pregoa, já sabe os nomes da meninada, os diz todos a
meia voz, como quem convida, sem querer ser notado: Júnior! Cláudia! Aninha! Bruno! Rafael! Toinho!
Agora começa a tarde e, com ela, um serviço de som: "Mercadinho Número 1. É o Número 1 do Bessa.
Tem..." E debulha em palavras tudo de suas prateleiras, todo o almoxarifado.
Nem faltam por vez aqueles apartes que ocorrem em todas as casas da cidade: Saelpa! Cagepa! Mas o
mais gostoso não é o das dívidas, é o do noticiário: Correio!
Pelas cinco da tarde, o serviço de som daquele Colégio parece imitar o sorveteiro do meio dia. Declina
nomes de crianças, mas, agora, com intenção invertida. É para seus pais saberem que estão sendo
chamadas de retorno a suas casas. Ouço diariamente: Isabele, Rejane, Darlene, Samara.
A noite desce. Passarinhos se recolhem na fronde verde que lhes sobrou no meu jardim. Não é mais
hora de cantar. Mas em breve será a vez da ronda da Segurança privada. Apita e passa. Seu apito quase
imita ave.
Entregamos a noite aos vaga-lumes. Vamos dormir que o dia valeu, entre nomes de crianças e gorjeios
de aves. Que o progresso não nos leve isso nem os pregões dos simples, cantando para vender, ganhando
para cantar.
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