Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega



Réquiem por um playboy

Semana passada ele morreu.

Não lhe digo o nome porque me recomendam dos mortos não se falar mal. Então sobre ele pese o silêncio por que não há mais o que dele se falar. Nem sei mesmo por que mereceu noticiário nacional.

O prazer está nas coisas. Demora um instante e se desfaz. A responsabilidade está nas pessoas. Vive uma vida inteira. Seja exemplo quem responsavelmente constituiu família.

Aquele playboy viveu 88 anos de prazer, não de responsabilidade. Não constituiu família, não deixou filhos. Deixou o copo vazio como ele, vazio de qualquer sentido de vida.

A vela bruxuleia, agoniza, quase se extingue ao vento que passa.

Imita o viver do playboy. Porque todo prazer é agônico. Demora um instante, expira depois. De prazer em prazer, ele imitou a borboleta, voando sem rumo, adejando cada flor que encontrasse.

Ambos não têm caminhos. Porque caminhar é somar passos na mesma direção. E ter direção é acumular dias no mesmo rumo, em vista de um ideal que se escolheu. No momento de cada escolha, muita coisa se perde por uma só que se acha. Quem tem um ideal vive todos os dias na esperança de um só dia.

Mas playboy não renuncia a si, renuncia à humanidade. Não pensa no outro, não se engaja em lutas coletivas. Tudo isso seria pensar no amanhã. O playboy do seu hoje não passa.

Porque renuncia à humanidade, renuncia à família também. Não se casa, não constitui família. Usa mulheres como objetos de prazer, não de amor. Foi assim que aquele outro playboy, Doca Street, matou Ângela Diniz.

Vamos sepultar este para que outros, semelhantes, não tenhamos que sepultar. Não deixou filhos nem viúva. Não deixa ninguém para por ele chorar. Deixa sobre a mesa o copo vazio e vazia de amor deixa a cama onde passou a vida

Vamos sepultar o inútil que nem sepultura merece quem teve por ideal de vida a inutilidade. Vamos fazer isso, sim, antes que outros nele se espelhem e tenham por ideal não ter ideal.

Quem o matou foi o prazer, doença contagiosa demais. É epidemia neste Ocidente do estrelato, da glória obtida sem pudor, da droga em maré enchente, das escravas brancas contrabandeadas para a prostituição internacional.

Vamos sepultar este que a ninguém faz falta.


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