Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega

F. Pereira Nóbrega Progresso e tempo

O progresso me prometia tempo cada vez mais. Deixei de andar a pé, a cavalo. O avião começou a fazer em horas o que eu fazia em semanas. A impressora passou a fazer em dias o que me tomaria anos. Apareceu automação para tudo, me deixando mãos livres e tempo livre. E ainda me chegam notícias de um avião sendo testado com velocidade seis vezes maior que o som. A própria Terra será pequena diante de sua capacidade de vôo. Para que esse exagero? Para eu ter mais tempo.

Muita coisa antes eu não fazía porque eram impossíveis. Agora, mesmo desejando, as omito porque não tenho tempo. O progresso plantou em mim desejos mais que satisfações. Não tenho tempo para curtir tudo da Internet: informações, notícias, acesso a jornais do mundo inteiro, amizades virtuais, bate-papo com desconhecidos e conhecidos. As livrarias estão cheias de livros interessantes. Por vez compro algum, não leio. Fica na fila de outros, esperando tempo para serem lidos.

Por conta disso a vida virou uma loucura. O telefone não pára de tocar. Outros atendem dizendo que não estou em casa. Estou, sim, mas não há tempo para todos os fonemas. Recebi convite para a festa. Coincide com outros compromissos. Não adianta velocidade de carros e aviões. Eu precisaria estar em dois, três lugares ao mesmo tempo. O progresso oferece desejos mais que satisfações.

Através de olhos e ouvidos, a semana toda, o ano inteiro, sou bombardeado por desejos. Os impossíveis de ontem agora são possíveis, se levantando do nada em que estavam, pedindo a palavra, fazendo sua propaganda, me deixando a desejar. O desejo é o grito do nada pedindo existir.

Mas hoje quero tempo apenas para pensar. Não chega a lugar nenhum quem quer estar em todos eles. Escolher é preciso. Não devo saborear todos os possíveis que o progresso me ofertou. Nem posso nem devo. Saber viver é saber escolher.

Então escolho um ideal de vida, numa opção fundamental que comande as demais. Muita coisa se queda sem sentido para mim na Internet, em programas de tv, livrarias, nos assentos de carros e aviões rumo a lugares que nunca serão meu lugar.

Viver é arte de escolher. Cada dia vou escolhendo, ganhando uma chance, perdendo as demais. Viver é perder, perder, até ganhar. [«]


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