F. Pereira da Nóbrega

Jornal Correio da Paraíba, quinta-feira, 27 de Março de 2003.


Suicídio de palhaço




    Pipoquinha pipocou.


    Você se lembra dele - aquele palhaço? A todos fez rir. A ninguém fez chorar. Distribuiu momentos de felicidades, de que gargalhada é sinal. E se fez rir, fez esquecer dores, enxugou lágrimas.


    A esposa esqueceu um instante que o amor começava a minguar em seu lar. A moça olvidou o amor perdido, desde o outro carnaval. A menina se esqueceu da bonecas, o menino da bola, que lhes faltavam.


    Foi tudo como quando a banda passava: “depois, cada qual no seu canto, em cada canto uma dor”.


    Algo existe maior que as ondas do litoral. É o oceano que faz, enchentes e vazantes, as marés alternantes, ora dando o que nega, ora negando o que dá.


    Algo também existia, maior do que ele. Pipoquinha era onda, não era mar. Derramava alegria por onde passava. Depois, sobre seu público, o oceano da vida se alternava, entre maré vazante de risos e maré enchente de lágrimas.


    Mas Pipoquinha mesmo a ninguém negou o riso, a ninguém ofereceu lágrimas. É que, no oceano da vida, felicidade é instante. O final é naufrágio.


    Nem ele era exceção a essa regra geral. Aos outros, ofertava o riso que nele era inflacionário. Por dentro, o coração gemia. Quando, por fora, o semblante gargalhava. Tem que ser assim quem é homem e palhaço. Sua fisionomia pertence a todos. Deve sorrir. O coração é só dele. Pode chorar.


    Naquele dia, um a um, o palhaço foi subindo degraus. Subia, descendo, quem subia andares, em busca da opção final.


    Parou à janela. Olhou para baixo, viu o abismo que o convidava.


    Olhou para os céus, a gota rolou na face. Comungou sua própria lágrima.


    A vida inteira saltara para aliviar a dor. Como pipocas no vasilhame que o fogo abrasa. Inútil, a solução delas, que não é seu vizinho quem as faz pipocar. Inútil também a dele, saltimbanco da vida, de forças ocultas, vindas de onde ninguém sabe.


    Saltou para o suicídio. Pipocou lá em baixo. Só então se revelou ao público sua interioridade. Pipoquinha dava do que não tinha. Mentia cada vez que ria. Porque sorrir para ele já era um bom modo de chorar.


Envie carta para VINI E JOBIS Essa página foi gerada através do Intervox, mais um utilitário desenvovido pelo PROJETO DOSVOX
Fale com o Webmaster