F. Pereira da Nóbrega |
Suicídio de palhaço
Pipoquinha pipocou.
Você se lembra dele - aquele palhaço? A todos fez rir. A ninguém fez chorar. Distribuiu momentos de
felicidades, de que gargalhada é sinal. E se fez rir, fez esquecer dores, enxugou lágrimas.
A esposa esqueceu um instante que o amor começava a minguar em seu lar. A moça olvidou o amor
perdido, desde o outro carnaval. A menina se esqueceu da bonecas, o menino da bola, que lhes faltavam.
Foi tudo como quando a banda passava: “depois, cada qual no seu canto, em cada canto uma dor”.
Algo existe maior que as ondas do litoral. É o oceano que faz, enchentes e vazantes, as marés
alternantes, ora dando o que nega, ora negando o que dá.
Algo também existia, maior do que ele. Pipoquinha era onda, não era mar. Derramava alegria por onde
passava. Depois, sobre seu público, o oceano da vida se alternava, entre maré vazante de risos e maré
enchente de lágrimas.
Mas Pipoquinha mesmo a ninguém negou o riso, a ninguém ofereceu lágrimas. É que, no oceano da
vida, felicidade é instante. O final é naufrágio.
Nem ele era exceção a essa regra geral. Aos outros, ofertava o riso que nele era inflacionário. Por
dentro, o coração gemia. Quando, por fora, o semblante gargalhava. Tem que ser assim quem é homem e
palhaço. Sua fisionomia pertence a todos. Deve sorrir. O coração é só dele. Pode chorar.
Naquele dia, um a um, o palhaço foi subindo degraus. Subia, descendo, quem subia andares, em busca
da opção final.
Parou à janela. Olhou para baixo, viu o abismo que o convidava.
Olhou para os céus, a gota rolou na face. Comungou sua própria lágrima.
A vida inteira saltara para aliviar a dor. Como pipocas no vasilhame que o fogo abrasa. Inútil, a solução
delas, que não é seu vizinho quem as faz pipocar. Inútil também a dele, saltimbanco da vida, de forças
ocultas, vindas de onde ninguém sabe.
Saltou para o suicídio. Pipocou lá em baixo. Só então se revelou ao público sua interioridade. Pipoquinha
dava do que não tinha. Mentia cada vez que ria. Porque sorrir para ele já era um bom modo de chorar.