F. Pereira da Nóbrega





Procura-se, vivo ou morto, Zé da Silva, que se perdeu à busca de seu cachorro. Procura-se, vivo ou morto, Lupi, a essas horas um cão sem dono, também à procura de quem o perdeu.

Um e outro, há anos, deixaram o campo. Despejado, o dono foi perdendo a caminho sua parentela. Como diz a canção: “nós era sete e só fiquemos eu”. Quando somente Lupi restou, Zé da Silva ainda mais o amou. Era a lembrança do lar desfeito, do casebre de palha na curva do caminho, da festa que o cão lhe fazia em cada regresso do campo.

Juntos condividiram as migalhas do mesmo pão e as misérias do mesmo teto. Habitaram primeiro a beira da estrada onde a poeira do trânsito cobria o casebre, erguido no improviso da noite a findar. Vieram “os homens da estrada” e o derrubaram. Era proibido se construir ali. Caminharam mais um pouco, o dono, o cão e a amizade sincera que os unia. Na cidade só acharam a ponte, atravessando o rio. E ali debaixo ficaram os dois.

A quem interessar possa, informa-se que as chuvas dos últimos dias transbordaram o rio, levaram a ponte. E em margens opostas os dois ficaram. Durante a noite toda se procuraram e, a estas horas, ainda se procuram. Cada um é o supremo tesouro do outro, na esperança do reencontro.

Se à porta de sua casa chegar um mendigo que já não pede esmola, que chora diante de cada cão que vê, por um só que não mais vê, abra-lhe a porta e não duvide: é Zé da Silva - ele mesmo.

Pão não lhe ofereça que o carinho lhe vale muito mais. Peça-lhe desculpas, em nome de toda a humanidade de que ele, em andrajos, é um pedaço errante. Peça-lhe desculpas porque tanto o marginalizamos que só lhe restou o carinho de um cão desgarrado. E lhe dê em abundância o que Lupi já lhe dava.

Porque no coração do homem dói a solidão até o dia do primeiro amor. Daí em diante, talvez pior ainda, pode-lhe doer a saudade. Mas, se o amor não vem em forma humana, este coração beija os cães e abraça as pedras, de medo da solidão.

Mas, se em vez de Zé da Silva, lhe aparecer uma figura canina que perdidamente ama um pobre, mais que todos os ricos, que de saudades há dias não come, que atende pelo nome de Lupi, mande-o entrar. E se ponha diante dele como o aluno aos pés do mestre. Porque os campos teriam lugar para todos os sem-terra, e as cidades para todos os marginais, se no peito de cada ser humano, batesse um coração de Lupi.


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