F. Pereira da Nóbrega |
Por que as pedras não choram
Primeiro a se sentir, último a se calar, o que é mesmo o desejo?
É um nada! Isso mesmo - o desejo é um nada.
O cofre me restou vazio do dinheiro que desejei ter? A cama ficou vazia da filha que você desejou
voltar? O vazio é invólucro do nada.
Pode muito este nada.
O desejo põe trem nos trilhos, caravelas nos mares, caravanas no deserto, o homem no puro
Espaço.
A História humana é movida a desejos. Nada nela acontece que primeiro não tenha sido desejado.
Por que será?
Porque de todo desejo o Ego é a capital. Quem deseja se deseja. É assim que saio de mim
carente. Retorno, recompensado.
Na lógica do Ego, o que não sou eu seja meu. Em meu reino é um estranho o que me é alheio.
Desejá-lo meu é o mesmo que simplesmente desejar. E do nada que em mim se aloja vou ao alvo do
que almejei.
Enquanto, no reino do Ego, esse estranho me não pertence, de noite sonho, de dia desejo. É
pequena a diferença entre ambos. Um é desejo de quem ainda dorme. Outro é sonho de quem,
acordado.
Olho as pedras para melhor me entender.
Elas não temem, desejam, sonham, esperam nada. Porque jamais poderão ser mais nem menos
do que ora são.
Até parece que das pedras se pode dizer o que de Deus dizem homens de fé. Também a
divindade nada espera nem deseja. Também as pedras são seres completos, perfeitos na sua escala.
Agora, melhor entendo o homem, único a sempre poder ser mais.
Do nascer à morte, geme, no desejo, sua incompletude. No amar, no conhecer, no descobrir, no
ousar, sempre pode ser mais.
Todos estamos nesta corrida existencial do nada ao ser, ao ser mais. Dentro em mim um nada
chora o que não sou na esperança de se superar.
Quem mais não sonha ou deseja, quem nada mais busca, quem a si disse basta, começou a
vegetar
Que bom que ainda tenho por que chorar. Nas pedras que eu disse perfeitas, uma coisa ainda
falta: o desejo liquefeito em lágrimas.