F. Pereira da Nóbrega |
Onde morar
Conhecemos Sérgio Bernardes, arquiteto. Nem todos conhecemos suas idéias. Propõe edifícios de um
quilômetro de altura. Mas não é de apartamentos onde morem avós, pais, filhos, papagaio. São residências
para não mais de uma pessoa. Acaba-se a família, como espaço físico de convivência.
Nem discuto o certo e o errado da proposta. Minha conclusão primeira é outra: o homem que é apenas
arquiteto, corre o risco de ser um mau homem e um mau arquiteto. A isso chegou Bernardes, arquitetando
sem humanizar. Porque não é religião nem preconceito quem diz que viver não basta. Conviver é preciso.
Nenhum cérebro está plenamente desenvolvido ao nascer. Infância é isso: tempo dado para
desenvolvê-lo. A incapacidade de viver se compensou pela urgência de conviver. Animais estão aí, ao lado
de seus infantes, condividindo o mesmo espaço.
Animal nenhum tem infância mais longa que o homem, esperando sete anos para o cérebro lhe conferir
uso da razão. E nem aos sete, este animal pensante está completo para enfrentar a vida. Urge família a seu
lado, mais longamente, no mesmo espaço, somando vidas. Depois disso, é o amor quem me pede ter
sempre os meus a meu lado.
Então, família, antes de ser uma instituição social, é necessidade biológica intransferível. Para substituir
a mãe-galinha, a técnica já inventou a chocadeira. Nenhuma delas substituiria minha mãe, me faria filho de
chocadeira.
Por muitos anos foi dito que a certos tipos de pessoas Brasília seria letal. E não faltaram exemplos de
suicídios, de distúrbios mentais, surgindo dentro da solidão do Planalto..
Sérgio Bernardes deseja indivíduos, um a um, segregados em suas casas. Talvez se inspire na
experiência escandinava, onde os avós são, de regra geral, mandados a luxuosos abrigos de velhos. Aí
terminam seus dias. Talvez se inspire nessa vontade, burguesa e jovem, de nossa sociedade, querendo
cada um seu apartamento, longe dos pais, onde a liberdade realize outros desejos.
Não, Sérgio, não faça para os humanos o que até para animais é crueldade. Espere o homem ter
cérebro de inseto para não mais conjugar o verbo conviver.