F. Pereira da Nóbrega |
Que desça a paz sobre a Terra, sobre todos os homens de boa vontade.
Que, com ela, desça a esperança de melhores dias. O principal não é viver muito, é viver bem. Sem
esperança, não se vive bem um só dia.
Que desça sobre a Terra a fé no suor que goteja do trabalho, na lágrima que desliza na face sofrida.
Que cada gota de suor se faça acompanhada da certeza de que é semente de melhores dias. Se sofrer
passa, ter sofrido não passa. Deita raízes na existência. Fecunda o amanhã. Desabrocha na primavera de
imortais conquistas.
Na semente, a esperança é árvore. Na árvore, ela é semente. Que, neste Natal, renasçamos nós,
eternas crianças de quem o mundo não estragou a alegria de viver. Como nelas, tudo o que nos entre pelos
olhos, nos plante amor no coração.
Aquilo que nos dilacera é aquilo que nos transfigura. O casulo dos tempos difíceis nos transmude em
crisálida de novas vidas. Só a dor tem potência de nos metamorfosear.
Que desça sobre o rico a esperança - não digo de ser mais rico - de ser mais humano. Aquilo que
seguramos é aquilo que nos escraviza. As aves voam, leves no céu, porque nada possuem. As mãos,
fechadas na avareza, se tornem abertas na prodigalidade. E que as mãos abertas, de todos os homens de
boa vontade, se entrelacem numa ciranda universal.
Que um só homem não fraqueje neste gesto de mãos dadas. Nenhuma corrente é mais forte do que
seu elo mais fraco.
Que desça a esperança sobre o tugúrio, também. Quem muito tem guarda o desejo de ter mais ainda.
Mas a esperança maior é a de quem nada tem. Ninguém, neste Natal, se sinta tão rico que não tenha o que
demandar. Ninguém, tão pobre que não tenha o que oferecer. Ao menos, distribuamos o riso. Ele enriquece
quem recebe sem empobrecer quem dá.
Vamos perdoar, ainda que não perdoados. Vamos compreender, ainda que incompreendidos. A
felicidade é assim, feita do infinitamente pequeno. Só nos falta descobri-la para cultivá-la.
Esqueçamos um instante que o ano foi duro e a incerteza, maior. Construamos o futuro como a ave
seu ninho: por fora é o amor tecendo as pequenas coisas; por dentro, é a esperança de nova vida.
Como quem sente necessidade de respirar, vamos crer que amanhã será melhor. Vamos fazer de cada
penúria degrau de nossa promoção. Vamos abraçar o pobre, o negro, o marginal, o menor abandonado.
Vamos nos envergonhar de que esse abraço venha tão tardio assim. A fraternidade humana pede que o
futuro supere o passado. Nasce o sol para viver um só dia mas cada dia renasce para viver outra vez.
Que o sol deste Natal tenha a perenidade do eterno retorno.