Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega

Morando onde não quero

- F. Pereira Nóbrega

Eu quisera um morar de passarinho. Que fosse uma casa do João-de-barro, sem tolher a natureza em redor, a liberdade do voar. Hoje me sinto passarinho na gaiola que me prende as asas, ilha de cativeiro, me detendo por todos os lados.

Em redor da casa ergui o muro, quase muralha. Sobre ele fiz estender-se o arame farpado. Marquei a distância que quisera não ter da humanidade. A cada um que passa estou dizendo que o quero longe, que, por favor, nem pare em minha calçada.

No portão, o interfone me anuncia quem chega. Olho de longe, no cuidado de não ser olhado. É gente? Então é fera, até que me prove o contrário. Todo desconhecido me é um suspeito, merece distância, especiais cuidados.

Meu cachorro late quando alguém caminha em redor de casa. Mais que isso, ele fala. No seu esperanto animal, traduz para homens de todos os continentes e raças o meu recado: não entre, por favor se vá..

É uma criança? Já vai longe o tempo em que criança era sinônimo de amor e paz. Se ela é mendiga, se tem a mão vazia, se me pede esmola, coberta de andrajos, ajuda lhe dou mas a porta não lhe abro. Vêm-me à mente histórias tantas de menores infratores, iniciando o crime na porta aberta, terminando nas Febem dos Estados..

Tanto cuidado ainda não me basta. Pus o alarme. Se alguém consegue escalar o muro, envenenar o cão, mais alto ainda os metais haverão de bradar. Já me aconteceu, dentro da noite, ouvido o alarme, acordar-me com a certeza de que o invasor já penetrara meu lar. Senti falta do revólver que não tinha. Parti para enfrentar o desconhecido com a cara e a coragem. Era um erro técnico, um falso alarme.

Ainda um instante de insegurança me restou. Lembrei-me de que as portas podem ter traves e as janelas, seus gradeados.

Quando o sentimento dói em demasia, o ser humano carece de alguém que dele tenha pena, lhe estenda a mão, lhe sufrague a lágrima.

Pois, meu caro leitor, minha vontade hoje é de lhe pedir que tenha pena de mim, de nós todos, vivendo uma paranóia que parece racional. Os assaltantes estão soltos. Eu é que estou por detrás das grades - as postas em minha casa.

Quando a distância é demais, gente abraça o vento e beija as pedras, de medo da solidão. Como eu queria ter a porta aberta para todos e abraçar cada um que aparecesse em minha casa!


Quinta-feira, 01/04/2004


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