Projeto DOSVOX Meditação sobre o dever - F. Pereira da Nóbrega

MEDITAÇão SOBRE O devER


Vamos subindo a montanha a serpente, o cordeiro e eu. Aprendi, desde criança a colocar o bem e o mal, separada mente, em lugares diferentes. O professor dividiu os alunos em bem e mal comportados. A sociedade dividiu o casal que briga: ele é o bom, ela é a má. Dividiu também os cidadãos em bem e mal educados. A política os dividiu em partidos: um é o dos bons, o outro é o dos maus. Um muro de separação dividiu a cidade de Berlim. Quem olhava de cá era tentado a pensar: os maus deste mundo estão todos do lado de lá. Hoje completo anos e faço essa meditação sobre o viver. Tudo se parece com a montanha que as águas circundaram mas não ainda cobriram de todo. A descoberto está o que resta viver. Atrás, as terras submersas pelas águas do passado. Ele é o cadáver do tempo. É um Mar Morto na Geogafia da minha história. A escalada da montanha é fuga à morte total. Vamos subindo a montanha a serpente, o cordeiro e eu. Não somos três. Ela e ele são as duas faces deste mesmo eu. Quando os homens se dividem em rebanhos de ovelhas, brancas e negras, nem umas nem outras consigo enxergar. São todas ovelhas malhadas de um só rebanho. Olho então para dentro de mim e não me vejo o negro nem o alvo. Sou a xícara de café-com-leite. Para dizer a verdade, dentro de mim a serpente chora o cordeiro que ela quis ser. Nunca o ser humano é indiferente ao bem. Mesmo quando pratica o mal, o faz pelo bem que parecia ser. O homem é um ser irremediavelmente dividido entre inteligência e vontade. Dentro dele um é o que sabe, outro é o que ama. Mesmo que eu queira, gestos e palavras nunca dirão de mim a interioridade. Eu sou a palavra que nem eu mesmo soube pronunciar. Menos ainda outros a pronunciarão. A gente diz que coração é 27

terra onde ninguém chega. É terra onde nem seu dono chega. Ninguém se conheceu bastante, ninguém desceu ao fundo de seu próprio poço. Enquanto vou fazendo minha escalada, vou, dentro de mim, sendo o juiz entre essa serpente e este cordeiro. Como quem aparta brigas de crianças, sem conseguir saber das duas quem tem razão. Um dia era o Cristo, o bom, ao lado de um ladrão, o mau. De repente nem essa classificação mais vale. O arrependimento faz um ladrão chorar. A lágrima que de sua cruz vem caindo é um pedaço de si. Ao menos esse não foi ruim do bom que ele quis ser. Hoje, à meio caminho da escalada, já enxergando o topo da montanha, fico a pensar nesse íntimo mais íntimo de cada eu, que a um ladrão se revelou na cruz e em cada um de nós ainda resta se revelar. Sei que lá dentro, enquanto a vida não finda, muita coisa ainda ficou por se dizer. Há lágrimas que ainda não chorei. Há páginas que ftcarão em branco dos livros que nunca escreverei. E os poemas que ainda não compus! E as canções que ainda não cantei! A vida é pequena para todos os ideais. Não vale a pena chorar o passado, as terras que o mar cobriu. Da vela não interessa a ceta que o fogo, consumindo, chorou em gotas. Interessa a chama que ela é. A eternidade é o oposto do passado. É o presente que não se conrrompe. É isso o que procuro ao fun de minha escalada. Não aceito ser igual às águas deste Mar Morto. Sou orvalho que o céu verteu, destinado a regressar um dia, purificado,em evaporação. Enquanto a hora não chega, vamos subindo a montanha a serpente, o cordeiro e eu.


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