Algum tempo atrás, um Ministro da Saúde anunciava quantos milhares de crianças seguramente morreriam naquele ano, no Nordeste. Parecia o repórter anunciando o gol. Para eles, tudo é natural como o ar que se respira. Um outro Ministra, também da Saúde, gaúcho, anunciou, tempos atrás: a média de vida nos pampas é de 74 anos. E citou a Paraíba, trocando os algarismos, para dizer que aqui se vive, em média 47 anos.

Agora já começam a contar quantos municípios estão sob a seca, em estado de calamidade. E tudo indica que vai atravessar todo o ano 2003 ainda em seca. Nada se faz para prevenir, pouco para remediar.

A tranqüilidade oficial me assusta, quando cita catástrofes em números. Ainda hoje se ensinará nas escolas que são todos iguais perante a lei: quem vive 74, quem 47. Ainda hoje, entre os famintos do Nordeste, nascerá mais um. O lar se alegrará mas é ainda a mentira no encarte da vida. Agora ficarão todos mais miseráveis ainda. Aumentarão as bocas, diminuirá o pão.

A gente diz que nasceu um inocente. Mentira! Nasceu um condenado à morte precoce, como se culpado fora. Morte natural não é castigo. Mas a outra, antecipada, por condenação, na cadeira elétrica, é punição suprema. Quem nasceu na Paraíba tem em sua constituição biológica a longevidade dos gaúchos. Basta nascer dos Lundrigen, dos Veloso Borges, dos Ribeiro Coutinho, para viver além dos 74. Aos miseráveis, a vida é ceifada prematura, como na guilhotina.

Quem escapou da pílula da Benfam não escapará da guilhotina prematura. Terá o pão, aleatório, como quem joga na loteria. Escola não terá. Família, facilmente, também não. Dissolve-se sob as crises econômicas. A sobrevivência passa pela prostituição, o roubo, a Mão Branca, o Esquadrão da Morte, e grupos outros de extermínio.

Você é paraibano? Passou dos 47 anos? Dê um abraço em você mesmo. Escapou da guilhotina social. Você é jovem ainda? Os cálculos de probabilidade lhe dizem que, - com certeza superior a 80% - você não verá os 50 anos. Você já nasceu condenado à morte prematura. Se tiver poder econômico, se filho de família renomada, você não nasceu na Paraíba, ainda que aqui tenha tombado seu cordão umbilical. Berço de ouro Paraíba não é.

Dizem as chaminés que a indústria cresce. Os parques das montadoras prometem milhares de carro por ano. Há filmes nos cinemas, novelas na tv. Isso é para poucos. Milhões jamais terão acesso às conquistas do progresso. Seriam felicíssimos se pudessem ver os netos. Não chegarão aos 50. Nasceram marcados para morrer na guilhotina da sociedade que jura direitos iguais a cidadãos iguais.

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