F. Pereira da Nóbrega

F. Pereira Nóbrega




Jornal Correio da Paraíba, sábado, 04 de outubro de 2003

Jeito de tapera






    O humilde me comoveu quando me pediu.


    Não foi comida nem dinheiro. Quase diria que foi coisa do outro mundo. Porque coração humano não é mais daqui. Parece bairro dos céus. Pois, do íntimo do coração, o homem simples me pediu que escrevesse alguma coisa sobre o quase nada que para ele era quase tudo: sua tapera.


    As palavras podem ser minhas mas os sentimentos são dele. Falou de seu casebre, construído com suas mãos, dentro de uma noite apenas. Ali amou aquela que o amou. Ali lhe nasceram filhos.


    O mundo em redor fez progresso. O casebre murchou na paisagem de arranha-céus. Ele falou assim:


    Na vida, não quero subir nem descer. Já me basta que me deixem em paz, vendo a lua cheia que outros não mais vêem por causa da iluminação.


    O espigão subiu ao lado, os despejos da Justiça fizeram descer outros barracos. O meu ainda ficou. Do jeito de minha tapera, assim também fiquei eu. Não subo, não desço. Ser feliz é querer ser eu sem querer ser mais ninguém.


    O teto é feito de furo, olhos de meu teclado, abertos dentro da noite. Porque é teto furado, porque os problemas me mordem, a lua me dorme nos olhos de quem não pode dormir.


    Quando, ao meu lado, o espigão subiu, até parece que minha tapera desceu. Ficou menor sem diminuir.


    Do jeito que o espigão subiu, do mesmo jeito desceu. Foi implodido, tinha defeitos. MInha tapera não subiu nem desceu. Essa ninguém implode. Nela não vejo defeito.


    O espigão, ao subir, sorrindo me fez chorar. Diziam que não mais haveria barracos em redor. Ao descer, o espigão, tombando, me fez cair. Salpicou metralhas em casa de pobre.


    Hoje me alegro se espigões pararam, se mais taperas se construíram em redor


    De noite, a meninada se dá as mãos, cantando: sou pobre,pobre, pobre, de mavé, mavé, mavé. E taperas ligadas, umas às outras, parecem também cantar: sou pobre, pobre, pobre...


    Em tempo de política, homens importantes descem de seus arranha-céus, se fazem menores porque se curvam na entrada baixa de minha tapera. É quando o espigão precisa do casebre.


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