Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega

F. Pereira Nóbrega


Instrumentos

Esta é a marcha para a solidão. Primeiro nos separamos da natureza. Precisamos de instrumentos para movê-la mais, nos movendo menos. Inventaram-se a roda, alavanca, martelo. Foi-se criando um biombo entre nós e o chão, plantas, montes e mares.

Um dia o homem sente saudade do contato natural que teve nas origens. De pés descalços anda nas praias, joga-se nas ondas. Comunga a natureza. Uma noite, a luz se apaga e ele fica sabendo a beleza que perde nas noites enluaradas que não mais percebe. Faz-se mais violento e seqüestra a natureza, a faz desnaturada. É quando traz para a gaiola o que foi feito para adejar a amplidão.

Mesmo assim guarda consigo o cachorro, o gato, embaixadores do mundo natural que não toca mais. Alisando um, brincando com o outro, sem instrumentos de permeio, o homem moderno quer ainda sentir a natureza.

Pior ainda, o homem se perdeu do homem. Uma parafernália de instrumentos se colocou de permeio. E quase não nos vemos, não nos falamos. Na vila, o cidadão passa na rua dizendo bom dia a quem encontra. De noite, as cadeiras vão para as calçadas, seus donos nelas se sentam e a vila toda se aconchega.

O homem moderno se fala por telefone, se vê por televisão. Nos Estados Unidos, quem não tiver cuidado passa dias sem dizer uma palavra a ninguém. Quer comer? Quer beber? Coloca as moedas nos orifícios, aperta teclas e lhe chegam comida e bebida que escolheu.

Agora a convivência é virtual. Por Internet, telefone, rádio, tv, a gente se vê, se ouve, se fala. Entre mim e a humanidade cresce um muro, pior que o de Berlim, de artefatos que nos separam e juram que nos unem. Os virtuais que me perdoem mas nada substitui a presença real. Por Internet até se namora mas na esperança de um dia se verem de verdade.

Os homens do deserto que o digam. Carregam por onde passam uma saudade – não desse ou daquele – de toda a humanidade. Onde um perfil humano se delineia, de lá se aproxima, puxa conversa. Encontrou-se não com um, com a humanidade. O astronauta fala e ouve, viajando entre estrelas. O que mais deseja? Ver gente, apertar mãos, voltar.

Dizem que essa civilização encurtou distâncias, vez mais próximos os continentes. De fato, marchamos para a solidão. Quando essa muralha eletrônica tiver atingido seu ápice, vamos sentir saudade das vilas, ao pôr do sol, de cadeiras nas calçadas, conversando com cada um que passa.


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