F. Pereira da Nóbrega



Jornal Correio da Paraíba, quinta-feira, 16 de outubro de 2003

Uma história feia






    Foi dita na tv “uma história bonita”.


    Um casal não tem filhos. A mulher não consegue gerar. Põe anúncio no jornal: procura-se quem queira gerar com esperma de meu marido! Assina a própria esposa estéril.


    Aparece um casal voluntário. Ele não tem o que fazer senão ceder sua vez para o esperma do outro fecundar sua mulher. Quando outros aspectos éticos já foram postergados, não se entende por que um escrúpulo ainda restou: a inseminação tem que ser artificial.


    Médico nenhum, por razões éticas, aceitou fazê-la. Eles mesmos a fizeram com suas próprias mãos. E deu certo. A operação era simples porque bastava a transposição do esperma dele, não a do óvulo dela. A mulher do outro foi mãe integralmente, colaborando com o óvulo e a gestação.


    Essa é a história que a tv achou linda de morrer. Do jeito que brasileiro gosta de imitação, já estou vendo mulher infecunda batendo às portas: “você deixa meu marido engravidar você? A condição é o neném ficar pra mim. Vocês dois não vão pra cama. Pego o esperma dele e ponho em você!”


    É realmente uma triste história. Alguém se esqueceu da condição de mãe. Aceitou ser apenas máquina, uma espécie de chocaddeira. Ele é carne de sua carne. Mas quem era mãe agora se considera apenas um embrulho. Embrulho, de coisa. |Porque o filho também não é pensado como gente, sujeito de direitos. Nem o direito à sua mãe lhe restou.


    Falo com preconceito? Então, perguntemos à ciência se mãe é supérfluo. Não, não estou pedindo opinião de credos, de usos e costumes. É o saber científico quem nos diz, na Psicologia, Pediatria, na Psicanálise, que mãe não termina com o cordão umbilical que se partiu. O neném não precisa ter vivido com a mãe uma hora sequer - me dizia renomado pediatra. O simples fato de ser mãe grava no gerado, e para sempre, uma empatia, mútuo apelo de complementação intransferível.


    Minha geladeira não funciona de qualquer jeito. Um manual a acompanha, dizendo o que lhe convém, o que não. Para gente conseguir ser gente, também nem tudo convém. Seu manual de funcionamento é a Ética. Dispensemos tabus e preconceitos mas uma dieta moral é indispensável ao ser humano.

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