Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega


F. Pereira Nóbrega Heróis sem causa

Não admira que haja causas sem heróis. Quais menores abandonados, causas nobres vagueiam nas ruas da vida, mendigas da imolação alheia, porque sem ela não alcançarão vitória. Precisamos de heróis para reverter a fome universal, o analfabetismo no Planeta, a Aids na África, a dívida externa no Terceiro Mundo, o robô que desemprega, a dominações, via nações abastadas.

Neste Planeta dá de tudo. Se há causas sem heróis, não faltam heróis sem causa. Dois seres humanos fizeram meses de treinamento, viajaram ao Exterior, cuidaram dos menores detalhes. Porque todo imprevisto seria fatal. Ainda houve despesas de toda ordem, dispêndio de energia física, esforço incalculável. Para quê?

Não, não foi para sepultarem os mortos, acudirem os vivos do maremoto asiático. Como nas causas que heróis abraçam, nada lhes era obrigatório nem necessário.

Eram um casal brasileiro, eram heróis sem causa Escalaram a segunda maior montanha da Terra: o Aconcagua. Ela escapou. Ele escolheu ser um cadáver a mais, somado a três outros brasileiros, falecidos antes na escalada do Aconcagua. Como nas montanhas heróis não faltam!

Agora outros estão arriscando a vida entre as dunas do Sahara. Não são dois, são tantos, em motocicletas, carros, caminhões, que nós parecemos exceções, eles a regra geral. Gastam dinheiro do próprio bolso. Consomem energias e se consomem em apreensões, cuidados. A cada instante, se erram a pista no deserto, se o veículo capota, a morte os alcançará.

Não, não é para controlarem a fome do Congo, a guerra da Nigéria, a Aids de toda a África. Como nas causas que heróis abraçam, nada lhes é obrigatório nem necessário. Eles realizam o rallye Barcelona-Dakar. A cada ano, algum morre nesta aventura. Desta vez dois já se imolaram. Como nos desertos heróis não faltam!

Chamamos de heróis os que amam a fidelidade a uma causa, acima de sua própria vida. Quem a arrisca sem causa suficiente melhor chamamos de loucos ou anormais. Para estes, mais que a própria vida, a orfandade dos filhos, o luto da família, vale aparecerem no Livro dos Recordes e poderem dizer a terceiros: eu sou o maior.

Alguém subiu a montanha, ajoelhado. E, até chegar ao local da promessa, seus joelhos sagraram. Nas Filipinas não falta quem, na Semana Santa, realmente se deixe crucificar. Mas esses ainda vislumbram uma razão maior que a vida. Ainda são heróis de alguma causa. Assumem manifestações de religiosidade, nem sempre admissíveis, mais censuradas, contudo, que os heróis gratuitos do Aconcagua, do Sahara. Difícil mesmo de se entender são esses heróis sem causa. [«]


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