Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega

Frustração e vida

- F. Pereira Nóbrega

Há pouco, a tv mostrou. O boy acelerou a motocicleta sobre a rampa. Ela subiu no espaço e desceu. Ele continuou subindo, até cair naquela cesta de malha forte, a 18 metros abaixo. Já fizera isso 3 vezes.


    Mas que valores na cabeça tem essa gente que brinca de morrer?

Qualquer agrupamento humano tem maneiras de viver, valores de vida. No Ocidente, - especialmente no Primeiro Mundo - o grande valor é o lucro.

O capitalista conjuga três verbos apenas, cada um, seqüela do outro. Primeiro: ter. A vida é para isso mesmo. Quem não tem, procure ter. A sequela do ter é poder. Mais que poder isso ou aquilo, o dinheiro confere aos mortais uma espécie de onipotência humana. É o poder de comprar poderes.

Do ter ao poder, o passo é rápido. Do poder ao curti-lo é mais rápido ainda. É essa a meta que nossa civilização sugere. A vida seria para curtir aventuras de toda sorte. O prazer pelo prazer- eis o supremo ideal do Ocidente. A isso serve toda a produção mundial que fica além dos itens da estrita subsistência. A isso servem a concorrência, os cartéis, os mercados continentais, o controle de qualidade, o marketing da industria e dos serviços, criando necessidades de viver para curtir.

- Tenho, posso, curto - diz o ideal de vida que essa civilização gerou. Quem não tem, não pode, não curte a vida. Vire-se, roube, dê o golpe no outro, até chegar lá.

De repente as estatísticas nos alarmam. Os maiores índices de suicídio no mundo provêm dos que escolheram, por ideal de vida, ter, poder, curtir. Há suicídios nos Estados Unidos 400% mais do que na média dos países europeus. É a frustração de vida desse curtir sem limites.

Desses ricos, sem sentido de vida, os mais sem rumo são os que preferem curtir aventuras na fronteira da morte. Como se brinca com a morte nos países do Primeiro Mundo! O pobre sabe que viver é importante para velar sobre filhos até sua maioridade. O rico tem dinheiro no banco. Se morrer, aos filhos não faz falta alguma. Afinal, nos países ricos, pais não são para educar, transmitir valores, princípios éticos. São para faturar e deixar herança.

Como aquele boy, nos States, que acelerou sua motocicleta sobre a rampa. Ela subiu no espaço, desceu depois. Ele, dela se desprendeu, caiu naquela cesta de malhas, a 18 metros abaixo. Dessa vez, a malha destendida se recolheu, o jogou fora. E seu corpo caiu, de cabeça para baixo, quebrou o pescoço, morreu na hora.


    E viva a civilização do ter, poder, curtir.

Quinta, 29/5/2003


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