F. Pereira da Nóbrega |
Jornal Correio da Paraíba, quarta-feira, 13 de novembro de 2002.
FH, Lula, fome
Falou o Presidente em declínio. Contestou o programa de Lula contra a fome. Muitos outros também
contestam. Com uma diferença que realça: eles discordam sobre os meios de se chegar aos carentes. FH
contesta o próprio objetivo: de modo nenhum vale a pena a eles se chegar. Não se chegue, porque fome é
coisa da África e da Ásia. No Brasil não haveria famintos senão em casos raros. Só, subalimentados. Fome
ou subalimentação, nenhum dos dois problemas se resolve com distinções conceituais.
No sertão vi criança que a fome, na seca, cegou. Se houvesse um só brasileiro no limiar da morte por
inanição, só isso já justifica proporcional e coletiva solidariedade. Quando uma só baleia encalha na praia
não se diz que é só uma e não tem importância. Há 40 milhões de brasileiros encalhados na
subalimentação. Ninguém chega a ser o faminto da Ásia, da África sem passar pelo estágio anterior do
subalimentado.
Esse caminho permaneça aberto - insiste o iluminado - porque por essa estrada ninguém chega ao fim,
talvez ninguém passe. Porque assim pensa, preferiu dar, de mão beijada, o escândalo de 28 bi, a fundos
perdidos para Bancos e suas fraudes.
Há 500 anos esse problema cresce entre nós. Agora mesmo, com a estiagem, temos 4 milhões na PB,
comendo cada dia muito menos do que seus organismos precisam. À margem das estradas pontilham
mães, de crianças aos braços, mendigando a quem passa. E FH continua sentenciando: se ainda ninguém
morreu de fome, como na Ásia, África, isso não merece cuidados governamentais. Mais importante - é
ainda o iluminado quem diz - é se cuidar da saúde da moeda, sua inflação, compromissos com o FMI e
dimensões outras do capitalismo internacional
Para subalimentados não há inflação. Suba ou desça, para quem não compra, não vende, apenas
mendiga, seu problema é igual. Então as prioridades todas deste iluminado se postam de costas para os
que caminham inevitavelmente para a morte por inanição, se o processo que os tange hoje não for sustado
ainda na fase atual.
É assistencialismo - reclama o iluminado. É, sim. Tal programa estaria errado se nisso apenas ficasse. Só
a urgência o justifica. Urgente é tudo aquilo que não se fez a tempo. Há 500 anos a fome cresce entre nós
e de sério ainda não se fez nada. As elites proíbem. Basta se ouvir o vozerio vindo dos bolsos cheios de
dólares, das bocas cheias de caviar. Comparam Lula a Getúlio, Perón, todos os ditadores. Por que, mesmo?
Porque teve sensibilidade.