Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega

F. Pereira Nóbrega


Eu

A toda hora conjugo verbos. Digo que eu penso, eu vou, eu sinto, eu quero, eu não quero mais. Conjugando verbos, me conjugo, mesmo que seja um homem simples, daqueles que não sabem conjugar. Porque uma é a gramática das aulas, outra a existencial.

Mas onde está esse Eu? Anatomia e Fisiologia desvendam o corpo humano. Nele encontram fígado, rins, baço, pulmões – partes. Tantas encontram que pensam encontrar tudo. Só o Eu não sabem encontrar.

Esse Eu onde está? Sou aquele que nasceu naquela casa, subia naquela árvore, brincava naquele quintal. Os anos se passaram, a casa caiu, a árvore tombou, acabou-se o quintal. Mas ainda digo Eu, embora, daquele corpo que ali viveu, hoje uma só célula não existe mais. Diz a Ciência que a cada sete anos, meu corpo é novo corpo, todas as células se renovaram. E esse Eu não passa?

Minhas mãos tocam, olhos vêem, ouvidos ouvem. Digo que sou Eu, tocando, vendo, ouvindo, sentindo o mundo exterior. Mas Eu não sou minhas mãos, ouvidos, olhos, sentidos afinal. Nalgum momento, dentro de mim, tudo se soma numa instância superior, que não é mais olho, mão, ouvido, nenhuma das partes. É o Eu que tanto procuro, sem encontrar.

Eu desmaio. Agora falo de um todo, não de partes. Minha consciência me diz “Eu, capital Eu,” como se houvesse em mim um comando central que no desmaio começa a falhar.

Este Eu onde está? Nunca o vejo diretamente. Como o rosto, que só percebo no espelho, meu Eu só percebo nas coisas, quando as ouço, vejo, sinto, apalpo. Não apenas percebo que o objeto está quente. Também percebo o Eu, percebendo o objeto esquentado. Se não tocasse, visse, ouvisse, se não tivesse nenhum dos sentidos para perceber as coisas, meu Eu, eu não perceberia jamais.

Aquela casa, aquela árvore, aquele quintal! Eu os percebi diretamente. Vendo, tocando essas coisas, foi indiretamente que percebi meu Eu existindo. Só por isso tenho saudade quando vejo coisas do meu passado. Saudade é adoração da existência, refletida nas coisas de meu passado.

Sim, mas não fujamos do assunto. Eu? O que é esse Eu de que a toda hora falo? Onde está ele se o homem for apenas um agregado de partes?

Existe o Meu e existe o Eu. Do Meu sei quase tudo, do Eu quase nada. Eu sou mistério a mim mesmo – o supremo dos mistérios existenciais.


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