Leia crônicas de F. Pereira da Nóbrega


F. Pereira Nóbrega Você sabe donde eu venho?

Não sou de hoje nem de ontem. Venho do passado mais passado onde tempos deixam tempos por achar.

Primeiro, dormi no pó.

Fui poeira de estrelas na noite original. Fui matéria luminosa quando o mundo se iluminava. Formaram-se ninhos de luz, cachos de estrelas penduradas em galáxias. Com elas também eu estava lá. Mas eu ainda não era eu. Era matéria inanimada. Nela, como hoje em mim, já gemia o desejo de superação. E da Evolução implorava ser mais.

Dormi no pó, vegetei na planta.

Enraizei-me no chão. Enverdeci na clorofila. Ao sopro dos ventos dancei nos galhos. Um dia as plantas inventaram flores e foi primavera na Terra. Ali estava a matéria que me seria corpo, desabrochando em flores, se configurando em néctar. Mas eu ainda não era eu. Apenas vegetava.

Na planta vegetei, senti no animal. Tive leveza, cores. Fui canto de passarinho, asas em revoada. Corri com os leões, com os condores flutuei no espaço. Mas eu ainda não era eu. Não passava de parcela animal.

Venho desse passado da matéria universal. Depois que vegetei e senti, enfim acordei para o sentir que pensa no bojo da racionalidade. Nesse punhado de células que constitui meu corpo, vieram fazer ninho o desejo, o amor, a esperança, a saudade. Finalmente me senti eu, pagando o preço da racionalidade.

Então me volto para o passado da matéria, do tamanho do meu passado. Vem-me um sentir telúrico, um amor à natureza, vontade de abraçá-la e sair por aí, repetindo o que dizia Francisco de Assis: irmão sol, irmã lua.

De tudo o que passou nada parece ter passado. A vida foi primeiro de peixe, depois de anfíbio, réptil, mamífero, racional. Também eu fui peixe, nadando na bolsa materna onde fui gerado. Fui anfíbio, vivendo naquele líquido, depois no berço de recém-nascido. Fui réptil quando comecei a engatinhar. Depois me pus erecto como o macaco. Repeti todas as etapas da Evolução e com o uso da razão fiz-me racional.

Tudo isso está gravado em mim, como o sussurro que ressoa nas conchas do mar. Levo uma ao ouvido e de dentro me vêm murmúrios das gotas que por dentro passaram. Uma foi lágrima de criança. Outra, orvalho da madrugada. Uma banhou roseiras de quintal. Outra, espinho de mandacaru. Todas se recolheram em conchas do mar. Ali contaram suas histórias que as conchas não param de recontar. Sou concha deste devir universal, gemendo saudades de tudo o que fui antes de ser eu afinal. [«]


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