Projeto DOSVOX Francisco Pereira Nóbrega.




Jornal Correio da Paraíba, Quinta-feira, 19 de Setembro de 2002.





    Desculpe-me o neologismo, mas outra palavra não encontrei. Televisões fazem reportagens, jornais enchem páginas inteiras, comentando que a Igreja católica esta perdendo muita gente, a caminho de seitas e outros credos. Nas entrelinhas está dito que algo de errado entrou na Igreja. - talvez sua preocupação com o social. Desculpe-me, católicos sobretudo, mas se está vendo mal. Até acho que assim as coisas ficcam mais certas.


    Religião não é como a camisa que se troca. É como a lágrima que se verte. Vem de dentro. A convicção mais radical é a fé. Como toda convicção, é uma descoberta individual, pessoal. É pedaço da história de cada pessoa, intransferível, sedimentada.


    Não confunda isso com tradição, cultura, folclore. Você talvez seja católico, não porque optou, mas porque no Brasil é cultural ser católico. A Igreja começou nas catacumbas, onde só entrava o radicalmente convicto. Porque a fé era risco de vida.


    Um dia, um rei, Constantino, se batizou. Sua fé virou moda, não convicção. Depois, Clóvis, rei dos francos, também. No mesmo dia, com ele, 3.000 mergulharam nas águas do batismo. Porque virou moda.


    Em nossas cadeias superlotadas, mais de 80% dos detentos - ladrões, traficantes, homicidas, estupradores - se dirão católicos. Talvez piores ainda sejam alguns outros, soltos na sociedade. Quase na totalidade se dirão católicos os torturadores de ontem, os criminosos do colarinho branco. Católicos se dirão os que têm o poder na mão e constroem as matrizes sociais de marginais, ladrões, prostitutas, de todas as faces da injustiça social.


    Qualquer um deles, se se tornasse ateu, não mudaria absolutamente nada em sua vida. Já vivem ateiamente. De repente, aparece uma seita oriental, um terreiro de candomblé, e milhares começam a mudar. Não mudaram de fé - que isso não tinham antes. Mudaram de vida. São talvez pessoas que agora crêem nalguma coisa, oram, adquirem novos hábitos, respeitam o semelhante, sentem-se comprometidos com o sobrenatural.


    Se é isso a descatolização, - que bom que ela aconteça. Na terra, a Igreja não está perdendo quem a ela, de fato, nunca pertenceu.


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