F. Pereira da Nóbrega |
F. Pereira Nóbrega
Defesa do consumidor
Primeiro, nos devoravam, depois nos mexemos. E apareceu a Defesa do Consumidor. Mesmo depois
dela, se repete, abundantemente o que antes dela havia.
Vender, nas sociedades primitivas, não era mais que uma troca de valores. A moeda era um, a coisa
vendida era outra. Antes da moeda, coisa por coisa exigia um cálculo mais complexo de valores
correspondentes.
Mas o valor da coisa estava na coisa. Fazia parte de sua identidade. Não podia valer menos para mim,
mais para você, menos aqui, mais ali, menos ontem, mais hoje. A coisa era a mesma, para mim e para
você, aqui e ali, ontem como hoje.
Desde a revolução industrial, o Ocidente inventou um novo conceito de venda e o divulgou no mundo
todo. Vender não é mais pura troca de valores - de espertezas também. Inventou-se uma arte do bem
vender, também sua ciência, chamada marketing. Treinou-se gente para criar necessidades no outro,
passar coelho por lebre. São os experts do bem mentir.
Ainda hoje o consórcio vende o carro que não entrega. O corretor, o terreno que não existe. O
comércio, o eletrônico que não funciona. Hoje, não apenas se vendem coisas, consciências também. E
quem mais fatura nesses meandros duvidosos por vez tem o reconhecimento social de homem bem
sucedido.
Com séculos de atraso, nos chega a Defesa do Consumidor. Tão importante, eficiente, não sabemos
mais viver sem ela.
Não basta. Devolvo o feijão estragado, o remédio vencido, o frango podre, a falsa grife. Mas a podridão
maior me entra de portas adentro e não tenho a quem reclamar se o filho foi sucessivamente proibido de
ver a tv das 8, das 7, das 6. Falta uma Defesa do Telespectador.
A mídia invoca a Constituição para se dizer acima da família e da criança, do sadio e do pornô, acima do
bem e do mal. Se diante do pior não temos Defesa, é chupeta de consolação, essa do mal menor. Quem
agora está em debate não são coisas deterioradas. São pessoas que a mídia deteriora, dentro dos próprios
lares.
Mas uma notícia boa me chegou. Quis-se introduzir no Congresso um projeto de criação da Defesa do
Teleconsumidor. Que ele precisa de defesa é verdade. Mas o projeto arquivou-se.